Venha compartilhar um pouco do trabalho que realizo como historiador e professor da cidade de Cotia. Mergulhe no passado das pessoas que construiram este lugar, recorde fatos marcantes que deram identidade cultural a esta cidade.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

CRIANÇADA, HOJE TEM ABRAÇO!


Tenho dois motivos que me levaram a escrever este texto com muita alegria: dia doze de Outubro é dia das crianças e aniversário do meu lindo filho Ícaro. Grande filho! Diferente dos outros textos que escrevi sobre este tema, exaltando este dia, pretendo propor uma reflexão sobre nossas crianças e o consumo ensandecido.(Em época de crise nem todo mundo está inserido no mercado de consumo, nem todo mundo pode presentear seus filhos.)Aos pais desempregados, digo que não se culpem por não poderem dar um presente para seus filhos. Pai que está desempregado, tenha uma boa conversa com seu filho. Um abraço também é um presente neste momento de dificuldade. Não se sinta desprestigiado por não poder presenteá-lo.

Apesar de presente ser importante, podemos passar outros valores neste dia de alegria. Não se esqueça de que o presente é apenas simbólico. Ele preenche o emocional momentaneamente... O importante é saber como está a vida da sua criançada. Como estão na escola. Com quem estão andando? Quem são os amigos? O abraço que eu já falei parece um gesto simples, mas demonstra
sentimento de proteção, como se você, pai, dissesse“filho, estou aqui para o que der e vier”.Como é bom ouvir isto de alguém!Como é bom um abraço!

Um presente, mesmo que seja simbólico, também marca se estiver envolvido de bons sentimentos. Com esta crise, muitos pais não vão poder presentear seus pimpolhos, alguns já adultos (risos). Presenteie-os dando atenção! Converse com a criançada porque este ano não será possível o esperado presente. Quando a gente conversa com nossos filhos, desenvolve uma imensa capacidade de falar e ouvir. Puta presente meu! Ouvir! Os filhos têm tanta coisa para falar...

Pra você, meu filho que faz aniversário no dia das crianças, este ano não vai ser possível um presente. Só para lembrar, temos uma história juntos. Lembro-me de quando o levava para a escola e trocava suas fraldas no meio das alunas de História. Um companheiro. Tenho dificuldade de ouvi-lo,pois os pais quase sempre acham que os filhos têm pouco a ensinar. Engano! Posso ter minhas dificuldades, mas coloco reparo como você tem cuidado da sua mãe e da sua irmã mais nova. Tomo reparo nos conselhos que você me dá, com inteligência e bom senso. O meu presente é um abraço e dizer que te amo e tenho muito orgulho de você.


É bom lembrar que criança, não importa a idade, tem muito ciúme. Um abraço para a Roseli, que vai ser mãe.Vou ser avô duas vezes este ano. Ana Paula, que pronuncia aquele pai estridente, que adoro, que me chama de pai desse jeito de criança grande. Um abraço para a Isadora e para a Maria Karolina, meus amores. E um abraço para a criança Gerlaine, que vai ser mãe logo, logo!Aquele abraço a todos!

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

HISTÓRIA DE ELIANE: MENINA DO PANCADÃO


Eliane estava absorta em seus pensamentos. Uma viagem ao passado. De cima da laje, avistava as casas ainda semi-acabadas, e a sua existência passava ali como um filme que lhe trazia recordações amargas. Lembranças da pré-adolescência. Lembranças da adolescência. Lembranças da vida adulta que se misturam com toda sua história criando a possibilidade de que tudo poderia ser diferente. Sentimentos de culpa.  Três filhos antes de completar 23 anos. O envolvimento com droga e álcool por longo período afetara-lhe o raciocínio. Uma dificuldade imensa para terminar um pensamento. Lamentava insistentemente como tudo poderia ser diferente.

Aos treze anos, grávida, nasce João, pai desconhecido. Durante dois meses tenta esconder a gravidez dos pais. Ficara grávida em um pancadão de final de semana. Completamente bêbada e drogada, dançava alucinadamente em cima de um carro e a cada música tirava uma peça de roupa. A transa acontecia ali, na frente de todos. Uma transa, outra e mais outra, assim atravessava a noite. No dia seguinte a angústia. No dia seguinte, a culpa. Não lembrava com quem tinha tido uma relação amorosa. Não lembrava nem se tinha tido relação sexual. Eliane se sentia um lixo. Travava uma luta interna durante a semana, dizendo-se que não iria ao pancadão do final de semana. Quase sempre perdia a luta.

Começou a frequentar estes bailes de rua com onze anos, escondida dos pais. Quando os pais dormiam, depois de um cansativo dia de trabalho, pulava a janela do quarto e os amigos já a esperavam na esquina da rua da sua casa. Os pais, cansados de tanto do trabalho, viam a educação da filha ficar cada vez mais distante das suas mãos. Aos quinze anos outro filho. Nascia Vanessa, pai desconhecido. Filha do pancadão. Os pais aceitaram mais um neto sem qualquer questionamento. Sentiam-se impotentes diante de tal situação. Sentiam-se culpados, e a única forma de pagar era com a omissão. Eliane, alcoólatra e viciada em drogas pesadas, não conseguia se ver fora daquela situação. Ali era seu universo, mesmo que fosse destrutivo. Não percebia sua autodestruição. Ali era seu mundo. Não conhecia outro mundo a não ser aquele.  

Eliane tentava buscar na memória sua infância, que parecia estar tão longe, diante da sua pouca idade. Outra gravidez aos dezoito anos. A memória da infância se distanciava cada vez mais. Agora nascerá Pedro. O pai, Humberto, com apenas dezenove anos. Alcoólatra e viciado em drogas pesadas. Além de Pedro era outra boca para ser sustentada pelos pais de Eliane. Até o nascimento de Pedro, rolava o maior amor entre Eliane e Humberto. Um breve tempo depois do nascimento do terceiro filho, as agressões.  Eliane suportava tudo com resignação. Aquela vida era seu destino, que deveria ser seguido à risca. Um tempo depois Humberto aparece morto, jogado em uma vala como um animal. O motivo seria uma dívida que não conseguira pagar. Mais um número nas estatísticas, sem vida e sem alma.

A menina do pancadão já estava cansada e velha com 23 anos de idade. Já não era carne nova, como diziam no meio... Já não servia para dançar em cima dos carros. O corpo amarrotado pelo tempo. A rusga de quem tem muita idade já não convence quem deseja carne nova. Refugo! O cheiro do álcool e a droga barata já não atraem. Os amigos e amigas de antes já se foram ou estão em situação igual à de Eliane. Mercadoria passada. Uma última tentativa de reconquistar a vida aparece no final da rua, onde morava o padre da igreja. Os cânticos chamaram-lhe a atenção. Começa a frequentar aquele espaço sagrado e tem a promessa que Jesus lhe salvaria das suas mazelas. Por duas semanas sem uso de drogas e bebidas, lúcida da sua bagagem pesada, na laje, sob o olhar da lua, corta os pulsos. Foi encontrada no dia seguinte sem vida. As crianças crescem e estão bem, com a ajuda dos avós. Apenas mais uma vida...

terça-feira, 23 de agosto de 2016

AMIGO ESQUSITO


O meu amigo esquisito chamava-se Antonio Carlos de Jesus e era um sujeito de pouca conversa.  Andava todo torto.  Relaxado. O rosto todo repleto de espinhas. Mesmo no calor ou no inverno, andava com uma touca de lã colorida na cabeça. Achava aquilo ridículo, mas nunca tive coragem de dizer. O cara queria ser esquisito mesmo!  O único com quem conversava na sala de aula era comigo. Gostava de rock e abominava pagode e música sertaneja. Aquele rapaz escrachado, todo relaxado e às vezes agressivo com as palavras, colecionava pétalas de rosas. Inacreditável: o cara tinha mais de duas mil pétalas de rosas em saquinhos plásticos, separadas individualmente.

O esquisitão do Antonio Carlos chamava os meninos da sala de “burguesinhos” e as meninas de “patricinhas”. Não escondia de jeito nenhum que não gostava daquela gente. Os alunos da sala de aula morriam de medo dele. Ele era um tipo ameaçador. Fazia altos discursos: “Todo mundo é igual aqui.” “Vocês não têm nenhum referencial. Agem pela onda do momento da moda. Não conseguem se vestir e nem falar diferente um do outro. Babacas!” Era o tempo todo ameaçador com os amigos de sala. Era o tempo todo questionador. Com os professores, dirigia-se a eles chamando-os de “senhor”. Era respeitado pelos professores. Era ou não era um cara esquisito? 

Durante o tempo em que esteve na escola manteve essa postura de durão. Cara fechada e de pouco amigos. Um dia aprontou uma brincadeira, oferecendo maconha aos alunos da sala. Muitos compraram aquele saquinho bem embalado e ao abrir se deram conta de que era bosta de cavalo seca. Os enganados tentaram uma revolta quando foram alertados pelo Carlos de como iam justificar que tinham comprado maconha aos professores e aos pais. Os alunos com cara de besta desistiram da ideia. Carlos era um cara sarcástico. Tinha um prazer imenso em lubridiar aqueles alunos soldadinhos, como ele mesmo dizia.

Carlos, além de colecionar de pétalas de rosas, era um apaixonado por leitura. Sempre tinha uma história diferente para contar quando parávamos para conversar. De tanto ouvir suas histórias, peguei gosto pela leitura. O esquisito talvez não fosse tão esquisito assim. Uma única vez abaixou a guarda de durão e me contou que depois que seus pais tinham se separado, resolveu viver solitariamente. Resolveu não ter amigos. Não entrou em detalhes sobre a separação dos pais, e eu nunca quis saber o porquê. Neste dia sua fisionomia mudou completamente e chorou em silêncio para que ninguém percebesse sua dor. Foi a única vez que deixou transparecer alguma das suas fraquezas.  Até hoje não entendi porque me escolhera como o único amigo da escola.

Pensava eu que não soubesse o porquê da escolha daquela amizade. Com o tempo fui percebendo que também eu era diferente. Não tinha amizades na escola. Ficava em um canto qualquer, junto da parede, para não ser percebido. Eu e Carlos éramos iguais. Tínhamos escolhido a solidão. Antonio Carlos sumiu da escola por uma semana, e mesmo sendo antissocial os alunos da sala perguntavam por ele. Sentiam sua falta. Com ele na sala as aulas se tornavam mais interessantes. Depois desse tempo o esquisito reapareceu, com hematomas nos braços e o rosto inchado.  Quando questionado pelo seu tempo de ausência pelo Professor Malaquias, disse que tinha caído de bicicleta. Um acidente. Na hora do intervalo das aulas me confessou que tinha sofrido agressões do padrasto. Só ouvi seu lamento e não perguntei nada sobre o acontecido. Naquele dia disse que queria desistir da vida. Fiquei em silêncio. As lágrimas corriam dos seus olhos como uma cachoeira. O sinal do intervalo tocou e entramos na sala em completo silêncio. Não tocamos mais no assunto.

Dias depois, antes do término do ano letivo, Antonio contou-me que estava de mudança para outra cidade. Que aquele dia seria o seu último dia de aula na escola. Pediu-me para não contar para ninguém da sua partida. Respeitei seu desejo. Quando os alunos perceberam que ele não apareceria mais na escola, começaram os falatórios. Comentou um menino com cara de alcoviteiro: “- Fiquei sabendo que o esquisitão foi recolhido em um reformatório. Com aquele jeito só podia ter acontecido isto mesmo!” Outro comentou: “- O cara de espinha era folgado. Estamos livres dele.” Uma menina disse que ele era muito legal, os meninos quando ouviram o comentário, ficaram com cara de entojo. Um bando de despeitados.

Anos depois encontrei Antonio Carlos de passagem pelo aeroporto de Manaus e nos falamos bem rapidinho. Bem diferente do esquisito da escola, ele estava vestindo um terno bem cortado e usava uma pasta de couro do bom. Disse-me que tinha uma família linda, tinha estudado advocacia e que a vida tinha mudado muito. Estava embarcando para a Europa para fazer um curso de especialização na área do direito. Trocamos o número dos celulares e ele partiu apressado para seu vôo. Quando ele sumiu entrando na sala de embarque, me deu uma alegria enorme de ter reencontrado meu melhor amigo de escola. Como aquele amigo esquisito tinha até então perturbado minha mente! Achava que tinha morrido. Achava que tinha se transformado em gente ruim. Nada disso tinha acontecido.

Meses depois marcamos um encontro com nossas famílias e passamos um final de semana maravilhoso. Conversamos horas a fio. Demos risada da turma da sala. Ele se lembrou do dia que vendeu bosta de cavalo como maconha. Rimos muito. Não falamos de tristeza. Não tocamos no assunto das lágrimas, da sua esquisitice. Me pareceu que isso ainda era dolorido. Mas sua história teve um final feliz. 

  

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O QUE É QUE ELE TEM: SÍNDROME DE APERT


Li com intensidade o livro da cantora Olívia Byington sobre sua vida com seu filho João. Li cada palavra do livro da mãe Olívia Byington sobre sua lição de vida com seu filho com Síndrome de Apert. Depois de cada palavra lida, cada frase e parágrafo apreciado fizeram-me parte da sua família. Emocionei-me. Nunca imaginei que a cantora erudita e popular Olívia Byington, que despontou na carreira no início da década de 80, bela voz e linda mulher, teria vivido um drama com o nascimento do seu primogênito.

Uma síndrome rara. Os amigos dos bons momentos desapareceram. Outros amigos arrumaram alguma fraqueza (desculpa) para não aparecer. Os poucos amigos que ficaram foram companheiros. Olívia e João travaram uma luta incessante pela vida. Enfrentaram preconceitos. Neste caminho de aprendizado, encontrou gente civilizada. Também encontrou gente desumana. O menino de cabeça grande e mãos de pato era todo diferente fisicamente das crianças ditas “normais”. Porém, pulsava ali uma alma que com o tempo aprendeu a lidar com as adversidades que os normais “colocam" para quem é diferente. 

Um livro surpreendente. Seu companheiro acompanhou a luta e esteve junto com Olívia na busca de uma melhora na qualidade de vida de João. Viajaram muito. A família criou uma onda de solidariedade para cuidar de João. A cada cirurgia, mais de vinte, João revelava o quanto a vida deveria vivida com intensidade.  Não espere nas páginas deste livro autocomiseração, ou coisa parecida. Olívia foi guerreira. A cada movimento, muitas tentativas com o intuito de elevar João a uma condição melhor de vida.

Enfrentou instituições de ensino conceituadas, porém preconceituosas. João perambulava pela casa com sua mochila para ir à escola. Era seu desejo. Olívia se angustiava. Existe muita escola por aí que fala de humanidade só na fachada. Este livro, escrito pela mãe Olívia Byington, eu recomendo aos reclamões que dizem que nada está bom. Neste mundo da aparência o que vale é a casca. João é alma e lição de vida. A mãe de Olívia, outra mulher extraordinária. João teve muita gente extraordinária na sua vida.

Leia este livro pensando em nossas falhas como seres humanos. Precisamos melhorar muito para aceitar quem vem ao mundo diferente de nós. João é fanático por carros. Confesso que cheguei ao final do livro acreditando em uma vida melhor neste mundo pós-moderno. Pode parecer pieguice: desligue seu celular ou qualquer outra parafernália tecnológica e converse com sua família. Ela é formada de gente.

O QUE É QUE ELE TEM
Olivia Byington

Editora Objetiva

sexta-feira, 22 de julho de 2016

BAGAGEM


Todo mundo carrega uma bagagem de vida. Às vezes leve e às vezes pesada. Uma bagagem de histórias que muitas vezes escondemos. Muitas vezes mostramos... Cada um tem sua bagagem, do seu jeitinho. Com sua marca. Não importa a bagagem de vida que você tem, ela é sua! A importância de quem entra nela é você que decide! Decide com os recursos que você tem. Recursos que você conquistou durante vidas. É uma pena que muitas vezes desconhecemos estes recursos que adquirimos com sacrifício. Por quê? Talvez nem desconhecemos, apenas escondemos com medo. É preciso lidar com nossos fantasmas.

Não é fácil lidar com nossos fantasmas. Abrir nossa bagagem e nos mostrarmos “nus e crus”.  O que vão pensar se fizermos isto? Preferimos viver na resignação. Não queremos opinião. Com razão, muitas vezes nem toda opinião é bem vinda. Nem todo mundo que opina está preparado para palpitar. Falam sem profundidade de assuntos que nos são caros. Sem nenhuma piedade. Desconsideram a nossa construção interior. O melhor é se esconder e viver isolado. Besteira. É preciso abrir nossa bagagem nem que seja aos poucos. Revelando cada pedaço da nossa vida. Gente alcoviteira existe em qualquer lugar, e como...


Realmente não importa a opinião de quem não lhe conhece. Abrir nossa bagagem de vida não é muito fácil. Imagine que na sua bagagem tem coisas dos seus ancestrais que você desconhece e que poderiam ajudá-lo em situações conflituosas. Quantos instrumentos não temos em nossa bagagem e desconhecemos? Muitos! Ali guardados. Ali mofados. Ali esquecidos.  Ali vivos. Bagagem dos seus ancestrais. Bagagem construída no tempo. Bagagens ainda fresquinhas. Todas elas podem se transformar em riqueza de vida. Uma riqueza de como podemos tocar a vida. Tocar a vida com esperança. Tocar a vida com dignidade. Tocar a vida...

terça-feira, 12 de julho de 2016

A HISTÓRIA DE ANTONIA


Antonia Gomes da Silva, mulher da roça. Bonita. Morena, quase negra. Vinte anos de idade. Mulher com a cor da roça, que ganhara essa beleza sertaneja labutando de sol a sol. Moça do sítio. Assim intitulam aqueles que moram na cidade. Roupa simples. Vestido de chita, que realçava sua beleza cabocla. Antonia, de comportamento recatado, com seus sonhos e desejo de morar na cidade e mudar de vida. Cansada da roça. Nunca poderia imaginar que esta mudança do sitio para cidade marcaria tão profundamente sua existência. 

É comum quando uma rapariga da roça troca o sitio pela cidade, que seja para ajudar no sustento da família. Trabalhar. Conforme o tempo, o sítio não supre o sustento necessário da família. Raramente esta ida do campo para a cidade é para estudar. Às vezes até acontece essa coisa de fazer a troca e de dar continuidade nos estudos. Não era o caso da moçoila Antonia. Ela foi para a cidade realmente para trabalhar e ajudar nos gastos da casa. Estudo, nem pensar. Entre os cincos irmãos ela fora a escolhida para deixar a casa da família, por não ter muita intimidade com a terra, apesar de não negar trabalho.  

Tem gente que não acredita que existe destino. Penso que ele existe e ainda se cruza com outros...
Dr. Roberto, médico conceituado da pequena cidade de Palestina, no interior de São Paulo. Não imaginava que aquela mulher morena, marcada com a cor forte do sol, fosse entrar na sua vida e marca-la tão profundamente. Existencialmente. Dr. Roberto, além de médico respeitado, era fazendeiro bem sucedido na criação do gado. O café da sua fazenda era premiado internacionalmente. Zeloso. Café de boa qualidade. Beto, como era chamado pela gente do povoado. Gostavam de chamá-lo assim. Ao chamá-lo de Beto criavam uma relação de proximidade e intimidade. O “doutor” o deixava distante e o Beto era um homem como qualquer outro.

Homem vaidoso quando a prosa era coisa da sua fazenda. Do queijo que produzia. Dos prêmios que seu gado ganhava nos concursos pecuários. Parecia um pavão com peito estufado de tanto que gostava do seu belo pedaço de terra. Sem cerimônia. Gostava de coisas simples. Uma cachaça do seu alambique. Apreciava. Com orgulho! Nunca deixava de atender quando era chamado para socorrer um enfermo. Sempre cumpridor da sua missão. Quando não auxiliava as parteiras na divina tarefa de trazer gente nesta terra, ele próprio fazia o parto. Era adorado.

Habituou-se, em quase todos os dias da semana, logo de manhã, a tomar café feito no fogão à lenha no Boteco do Zé Bigode. Só no domingo não cumpria este ritual diário, tomava café com a família e depois iam à missa. Religiosamente. Homem religioso. Mas durante a semana, ali no bar do compadre Zé, conversava com todos. Contava piada. Homem de boa prosa. Indicava o nome do melhor remédio para acabar com os carrapatos do gado dos sitiantes. Toda esta convivência diária com gente da roça não lhe tirava a autoridade como médico. Respeitado por todos. Homem incansável na atividade de curar as mazelas do povo dali. Muitos sitiantes procuravam-no para se aconselhar. Muitos outros o procuravam para que ele pudesse arrumar uma colocação de emprego na fazenda ou mesmo na cidade.    

Foi com essa coisa de arrumar emprego que ele conheceu seu Geraldinho, sitiante daquela região. Anos antes tinha empregado um dos seus filhos. Num certo dia, depois da prosa sobre o melhor tratamento dos suínos, Geraldinho, com toda intimidade que tinha com o Sr. Beto, solicitou-lhe ver a possibilidade de arrumar um serviço em sua casa na cidade para sua filha Antonia. Justificou o pedido dizendo que o doutor sabia que seus filhos eram trabalhadores. “Justino nunca lhe decepcionou. Não é?” “Mande a menina falar com a patroa, seu Geraldinho. Parece que ela está mesmo precisando de alguém para ajudar na cozinha.” Foi assim que a moça Antonia começou a trabalhar na casa do seu Beto. O dinheiro que ganhava mandava para a família e pouco desfrutava.

Com pouco tempo de serviço na casa de D. Elvira, esposa do Dr. Roberto, Antonia destacou-se como ótima cozinheira. Quituteira de mão cheia. Ganhou a simpatia da casa. Dr. Roberto tratava todos os funcionários com respeito e era por eles considerado um excelente patrão. E assim, os anos foram-se passando. Os filhos nasceram, a esposa se foi.

D. Elvira faleceu ainda jovem, com um câncer que em poucas semanas lhe tirou a vida. Antes da morte da esposa, o senhor Beto jamais tivera atrevimento com Antonia. Porém, com o passar do tempo, foi se afeiçoando pela empregada que agora fazia o papel de mãe. Cuidava dos filhos do patrão como se fossem seus. Os olhares. O sorriso maroto com o canto dos lábios denunciava que ali Já existia um grande amor. Em um momento de intimidade com Antonia anos depois, ele disse sussurrando que ela tinha lhe chamado a atenção. Que sua beleza era impactante. Enchia os olhos. Terminou a conversa dizendo que a amava. Apesar de ele estar viúvo, aquele amor tinha que ser escondido. Os filhos dele não aceitariam que o pai se casasse com a empregada da casa. O amor deles era intenso, mas escondido.

Não demorou que eles tivessem um caso às escondidas.  O doutor pensava em como reagiriam os filhos diante daquela paixão. Como explicar ao pai de Antonia que ele estava apaixonado pela sua filha? O medo e a insegurança o fizeram manter aquele romance escondido. Este tempo escondido teria sua validade vencida. Antonia engravidara do seu amor oculto.

O destino faz as pessoas se cruzarem em suas existências, mas também as distancia. Quando o pai de Antonia ficou sabendo da gravidez da filha, disse em alto e em bom som que não tinha filha desonrada. “Desavergonhada! – gritou para ela. Esqueça que sou seu pai.” E antes que o Dr. Roberto ficasse sabendo que ela estava grávida, Antonia abandonou a casa. O médico só ficou sabendo da sua gravidez pela conversa dos alcoviteiros. Antonia saiu da cidade sem rumo, e durante boa parte da gravidez percorreu o interior paulista até chegar a São Paulo. O doutor, inconformado com o seu desaparecimento, pôs gente atrás. Aonde aparecesse uma noticia de Antonia ele ia, a fim de encontrar seu grande amor. Mas talvez agora fosse tarde demais.

Antonia chega a Santos com dores de parto. O bebê estava prestes a nascer. Dilatação. Os moradores a encaminham à casa de D. Maria, uma senhora que conhecia tudo sobre ervas e reza. Ali poderia receber atendimento. Poderia ser acalentada. Na casa de D. Maria, sofrendo com as dores do parto cada vez mais fortes, espera por poucos minutos a parteira mais conhecida da cidade, D. Catarina. A jovem Antonia confessa a D. Maria que não poderia ficar com aquele filho, pois não teria como criá-lo. As lágrimas tomam conta dos seus olhos e ela diz, gemendo de dor, que não era este o seu desejo.
Enquanto ela é preparada pela parteira, D. Maria corre até a vizinha que tinha uma vontade louca de adotar uma criança. Antes de o bebê vir ao mundo, o casal – Pedro e Ana – corre para a casa de D. Maria para assistir ao parto e ficar com a criança. Realizados.

Nasce o bebê. Um menino mirradinho. Chorão. A mãe, com a voz embargada, pede para D. Catarina não deixá-la ver a criança: não gostaria de guardar sua imagem na memória. O casal recebe o menino em seus braços, os olhos brilhando, e a alegria toma conta de Ana e Pedro. A mãe mal fala com o casal, só pede que criem o menino com muito amor.

Antonia teve uma gravidez difícil, tomada pela solidão. Depois de recuperada partiu em busca de reconstruir sua vida. O que aconteceu com Antonia? Será que encontrou Beto novamente? Conta-se que meses depois ela apareceu na casa de D. Maria, acompanhada de um senhor, em busca do filho.  A senhora que atendeu a porta da casa disse que o casal que o adotara tinha se mudado da cidade e não sabia de seu paradeiro.


Será que o senhor que a acompanhava era o Dr. Roberto? Nunca saberemos. Imagino a dor e o sofrimento de uma mãe que deixa de criar um filho porque as circunstâncias são adversas. 

quarta-feira, 6 de julho de 2016

EU...


                                                       “Se for falar de mim me chame, sei coisas terríveis ao meu respeito” - Tati Bernardi
Ultimamente ando brigando muito contra o meu eu. Eu falo. Eu faço. Eu quero fazer. Eu quero mandar. Eu quero assim do meu jeito. Eu sou assim. Enfim, “eus” que não acabam mais. Eus! Estes “eus” são tão sozinhos! Estes “eus” não agregam, separam. Egoísmo puro. Egocentrismo.

Será que precisamos de tantos “eus” para nos autoafirmarmos?  Será que precisamos destes “eus” para sermos felizes? Será possível ser feliz sozinho? Estes “eus” narcisistas impedem que possamos viver coletivamente. O “eu” exagerado no dia a dia tem dificultado a convivência entre as gentes. É um tentando passar a perna no outro. É um Deus nos acuda. A ética que exigimos do outro passa longe do nosso “eu” autoritário. Uns “eus” que não conseguem enxergar o outro. Não pode dar certo.  
Eu falo o que penso, mesmo... Na lata! Não estou nem aí! Fodam-se os outros. Eu sou mais eu! Pensar e agir desta forma é achar que o mundo tem que girar em torno de si. Não confunda a pessoa autêntica com aquela a quem falta educação. Quem fala e agride os outros, desrespeitando-os, é simplesmente um individualista. Não constrói. Divide e afasta.

Todo dia encontramos gente sofrendo de quase tudo por não saber lidar com seus “eus” doentios. É comum o egocêntrico achar defeito em tudo. Achar defeito nos inimigos e amigos. Este cara é aquele que não consegue se enxergar. Enxerga seus defeitos nos outros. É rapidinho para apontar os defeitos dos outros. Bem rápido para colocar qualquer um para baixo. Por outro lado, ser um pouquinho egocêntrico não é tão ruim assim: funciona como forma de defesa. O que não é saudável é justificar seus fracassos e medos usando seus “eus” para esconder-se de quem realmente é.


Os “eus” sem noção são aqueles chatos que quase ninguém aguenta ficar perto. É o sabe-tudo. É aquele que começa uma conversa e fala sozinho. Uma fala sem vírgula e ponto final. Chuta a bola no escanteio, cabeceia e marca o gol e ainda pergunta sua opinião. Não é fácil. Gente assim é difícil de entender a dor do outro. Entende só da sua dor. É gente que precisa de cuidado. Interrompendo a sua fala eu...

quinta-feira, 23 de junho de 2016

SR. BENEDITO VIVIANI: O HOMEM QUE DISTRIBUÍA SONHOS





Meu Deus do céu, receba com alegria o Sr. Viviani na sua morada. Ele partiu daqui e com ele levou toda sua generosidade e alegria. O Sr. Viviani foi um inventor de ideias recheadas de bom humor. Meu Deus deste mundo, ele consertava lâmpadas, assim diziam. Meu Deus, ele foi um dos homens que ajudou a construir o Hospital de Cotia. Deus, ele era tão criativo que ajudou a construir um foguete, o Sputnik, bem antes que os russos. Era um homem que estava à frente do seu tempo. Meu Deus deste imenso mundo, ele me ajudou a escrever dois livros com sua memória de elefante.

Pouco tempo antes de completar 88 anos, nas conversas que tínhamos, eu adorava testar sua memória com “causos” sobre Cotia. Dizia ele, com orgulho do poder da sua memória, que se lembrava de datas e casos distantes no tempo. Meu Deus, com a idade que tinha parecia um menino danado. Seus olhos brilhavam diante das suas histórias. Escrevi cada uma delas. Meu Deus, juro de pés juntos que tenho uma única preocupação: quando ele encontrar o seu amigo Yano e outros que daqui já foram, o Senhor terá que criar um departamento de invencionices aí no céu.
Um abraço, meu amigo, descanse em paz. 




                                                                                                                               Cotia, 23 de junho de 2016.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

ESQUECIMENTO


Quem já guardou um objeto que estima e não se lembra do lugar em que deixou? E o pior de tudo, quanto mais tenta lembrar o lugar que guardou o tal objeto a memória não ajuda. Falha! Quanto mais tenta se lembrar de onde guardou, pior fica! Apagão. Pergunta-se: será que perdi? Será que alguém surrupiou? Quem poderia ter feito isto? Tenta incansavelmente reconstruir passo a passo momentos anteriores para lembrar em que lugar guardou aquele objeto. A memória não ajuda. Quanto mais dificuldade a pessoa tem para lembrar, ela vai sendo acometida de um desespero geral. Entra em pane! O que está acontecendo com a minha memória?

A tentativa de lembrar-se do que guardou é tão grande, que os miolos chegam a esquentar. Chega a sair fumaça do cérebro. Depois de muito tentar começa a achar que seu esquecimento pode estar ligado a algum tipo doença.  Pensa logo em procurar um médico. Antes disto conta o que esta acontecendo aos amigos próximos que de imediato dão seus diagnósticos sem qualquer cerimônia e fundamento cientifico. Dizem: Fulano, pode ser aquela doença que com o passar do tempo a pessoa vai perdendo a memória.  Procure um médico.

Vai à escola buscar a filha no final do dia e é avisado que ela não foi à aula. Quando isto acontece duas vezes, começa a ficar preocupante. A moça que entrega as crianças aos pais no final do expediente escolar olha pra você com um sorriso desconfiado, quase dizendo que você deve estar meio maluco (risos). Agora, é reconfortante quando outros pais dizem que fizeram o mesmo. Outra situação: esquecer o nome de alguém que você conhece e de repente a pessoa está na sua frente e você não se lembra de jeito nenhum. Dá uma angustia tremenda! Inusitadamente logo digo: esqueci seu nome. Gargalhada geral. A pessoa também pode dizer “procure um médico”. Neurose total!

Ainda preocupado com esta coisa de esquecimento, conversando com alguns pais na porta escola, no meio deles encontrei uma psicóloga e terapeuta que tranquilizou todos os que ali estavam, dizendo que esta coisa de esquecer pode ser stress. Cansaço.  Esta crise econômica e política de instabilidade quase total também podem influenciar neste cansaço mental. Confortante mesmo é saber que você não esta sozinho nesta onda de esquecimento. (Risos!)


Já ia me esquecendo de dizer...

quinta-feira, 2 de junho de 2016

DIA DOS NAMORADOS


Não tenho nada contra datas comemorativas. Até curto algumas. Porém, o dia dos namorados é uma data que não deveria existir no calendário. Uma data voltada apenas para o consumo (nenhuma novidade). Também não tenho nada contra consumir. Adoro! Namorar é bom quando fazemos quase todo dia. Namoro se constrói. Casados também já namoraram. Casados também namoram. Tem gente que namora há mais de trinta anos e ainda não se casou. Eternos namorados. Tem gente que namora só no dia dos namorados, até meia noite, depois vira abóbora. Alguns namoram até receber o presente e logo desaparecem. Tanto ele como ela. Pura sacanagem. Namoro fugaz.

Não é por isso que não curto este dia. Tente marcar um jantar em um restaurante no dia dos namorados. Não será fácil. Em alguns restaurantes é preciso marcar trinta dias antes, e ainda enfrentar uma fila de espera de duas horas ou mais. Não há romantismo que aguente! Até o churrasquinho do Bernardo, no centro de Cotia, tem fila no dia dos namorados. Já que me lembrei do Bernardo, seu churrasquinho é uma delicia! Tente ir a um motel neste dia. Tente! Enfrentará filas e mais filas. Outro detalhe, neste dia os preços dobram ou triplicam. Há quem perca até o... com esta crise. Outra coisa, namoro é namoro. Amor é algo sublime, bem diferente de namoro. Não é preciso esta patacoada para dizer que ama alguém. Amor são gestos...  

Continuo dizendo que não tenho nada contra este dia. Imagine alguém que não esteja inserido neste mercado de consumo. Mercado alucinado. Com certeza usará de recursos criativos. Encontrará a amada e lascará um abraço. Quer um presente maior do que um abraço? Encontrará a amada e lascará aquele beijo. Toda esta emoção de surpresa produz afeto.  Quer algo melhor de que um beijo “caliente”? Assim deste jeito e com muita emoção, vale a pena comemorar o dia dos namorados. Fazer um jantar. Presentear com uma boa conversa. Não estou maluco. Quem poder presentear seu namorado ou namorada com um lindo relógio é muito bacana. Quem puder abrir uma boa garrafa de vinho, também é muito bacana. Não tenho nada contra o sentimento alheio. Sou a favor do afeto verdadeiro.


Se você só pode dar um abraço e um beijo também é bacana. Também é namoro. Estamos precisando tanto de afeto! Estamos precisando tanto nos acertar emocionalmente com o namoro! Acertarmos no amor! Não é um objeto de consumo que determina a intensidade de um namoro. Talvez um abraço, um beijo e uma boa conversa determinem a intensidade de um namoro muito mais! Mas uma caixa de um bom chocolate abre um sorriso intenso. É disto que estamos precisando, de alma e sentimentos verdadeiros. Colocar alma naquilo que define nossa felicidade. Vou usar de sinceridade: não se esqueça desta reflexão acima e no dia dos namorados caia no namoro com afeto. 

segunda-feira, 30 de maio de 2016

INIMIGOS


O Facebook é uma ferramenta maneira, ele permite que escolhamos nossos amigos (assim dizem), mas seria melhor se pudéssemos escolher nossos inimigos. Não seria bacana? Imagine: inimigo invejoso, inimigo ciumento, inimigo traíra, inimigo que se faz de amigo, mas é inimigo. Inimigo de todo tipo. Teríamos centenas de inimigos, conscientes da sua inimizade. Como seria bom!

Se fossemos catalogar todos os tipos de inimigos não caberia nesta folha de papel.

Decepcionamo-nos com um amigo porque acreditamos que todos são amigos de verdade. Não é bem assim. Começamos a perder um amigo quando ele passa a participar de nossas vidas. Descobre as nossas fraquezas. Descobre que não somos tudo aquilo que parecemos ser. O bom inimigo é aquele vai se nutrindo de informações da gente e espera a hora certa para usá-las. Xeque mate! Ficamos perplexos!

O inimigo não é uma entidade de fora para dentro, ele ganha vida a partir das nossas atitudes. A partir das nossas carências. A partir dos nossos medos. O inimigo perfeito é aquele que conhece em detalhe o jeito que nos comportamos diante de uma dificuldade. Ele encontra uma brecha para dizer que deveríamos agir desta forma. Tem a receita certa sem riscos. Acreditamos ingenuamente.

O inimigo como entidade vai se apoderando lentamente dos nossos sentimentos. Ele parece um ser maravilhoso porque alivia-nos superficialmente das nossas dores. Ficamos embevecidos. Elogia falsamente. Aos poucos vai tomando nosso espaço. O inimigo deseja ser como nós, com defeito e tudo. Ele inveja a casa em que moramos. Ele inveja nossa família. Ele inveja nosso sorriso.  É... nós que o escolhemos, infelizmente.

Não gostamos de correr riscos. Entregamo-nos de corpo e alma aos nossos inimigos. Inimigo bom é aquele que aconselha pensando como vai tirar proveito em determinado momento. Uma forma de evitar inimigos é nos conhecermos. Inimigo não é tudo de ruim. Eles nos ajudam a crescer. Colocam os dedos em nossas feridas. Amigo que só fala aquilo que queremos ouvir não é tão amigo assim.

O autoconhecimento evita que inimigos se aproximem. Na medida em que sabemos lidar com nossos medos e angústias não precisamos de muletas. Não precisamos de inimigos. Livra-nos dos inimigos.


segunda-feira, 2 de maio de 2016

FILHOS DA MÃE


Mãe! Não tem ninguém neste mundo que não seja filho da mãe. Todos nós somos filhos de uma mãe. Mãe que acalenta. Mãe que alimenta com seu leite materno. Mãe que se alimenta. Mãe que protege o rebento dentro da sua barriga. Útero. Nasce aí um sentimento profundo. Para sempre. Mãe que abre mão dos seus projetos para cuidar dos seus filhos. Mãe que diz com a boca cheia que seu filho é o melhor do mundo. Mãe não vê defeito, só enxerga qualidades. Esta coisa de ser mãe é única. Se existe uma fatalidade do filho partir antes do que a mãe, ela ainda continua mãe. É um sentimento tão forte que mesmo diante de uma tragédia não acaba.

Não precisa ter barriga de grávida para ser mãe. O ato de ser mãe é um sentimento. Mãe é um sentido que encontra seu filho em um orfanato. Mãe recebe o filho da barriga de outra mãe. Ama intensamente. Existe tia-mãe. Existe avó-mãe. Existe vizinha-mãe. Existe uma mulher que pode ser mãe se dedicando a socorrer os filhos de outra mãe. Caridade. Existe mãe de todo jeito. De todo tipo. Mãe é adjetivar: Lindo. Inteligente. Fofo. Excelente e outros. Mãe guarda as roupas dos seus rebentos para nunca perder o cheio do nenê.  Que ninguém neste mundo chame seu filho de feio. Confusão na certa. “Filho não se esqueça de colocar a blusa que vai esfriar.” Cuida. E quando os filhos da mãe crescem e trazem o namorado ou a namorada para ser apresentado, a mãe sente tanto! Eles crescem...

Filho da mãe, neste domingo retribua o amor que tanto recebeu. Abrace sua mãe. Acaricie. Faça um chamego. Quem não gosta de um chamego? Caso não possa simbolizar através de um presente o seu carinho pela mamãe, pois a crise está feia, faça uma visita. Mãe também gosta de receber carinho. Mãe também chora.  Mãe também tem seus conflitos interiores como você. Retribua. Não seja ingrato. Seja grato. Caso sua mãe tenha se transformado em uma estrela, busque na memória tudo que ela fez para você. Ela está presente. Lágrimas de saudade. Fale sobre ela para seus filhos. Conte a história dela para seus rebentos. Mãe também vira avó.  Para as mães os filhos nunca crescem. Mãe deixa os filhos infantilizados para sempre. Não goste dela só no domingo, goste todos os dias.


Mãe também é gente!

quinta-feira, 28 de abril de 2016

PALAVRAS DITAS


Depois de ouvir o genial Ariano Suassuna falar sobre o sentido que damos às palavras, fiquei com a pulga atrás da orelha. Palavra. Adjetivamos com a maior facilidade. Vagabundo, genial, burro e etc. Escrevemos com a maior facilidade, sem pensar se aquele que está sendo execrado merece as palavras que o desqualificam. Usamos a palavra displicentemente. Não sabemos do seu valor e nem da sua força. Talvez por este motivo que o seu amor não acredita quando diz que a ama. A palavra sai fraca. A palavra sai sem conteúdo. A palavra sai sem sentimento. A palavra sai sem vida. 

Quem recebe a palavra dita sabe que não contém verdade. A desumanização a cada dia aumenta. Nem conhecemos aquele ou aquela e já enchemos de elogios. Enchemos de palavras sem som. Sem eco. É preciso conhecer bem antes de elogiarmos, para depois não falarmos mal. Fazemos criticas nas redes sociais sem nenhum pudor. Sem nenhum critério. Estragamos a palavra. Acabamos com uma boa amizade por causa de uma palavra mal dita. Falta sinceridade na palavra dita. Quem usa a palavra para desqualificar um desafeto é um desqualificado. Não tem respeito à palavra dita. Não tem conteúdo para desqualificar.

Esta semana comecei a escrever um punhado de textos e não cheguei a terminar o primeiro parágrafo de nenhum deles. Não encontrava a palavra certa para definir um jogo de futebol ao lado de dois corpos sem vida em uma praia. Não acreditava que poderia ser verdade aquela cena. Pensei que fosse uma montagem de imagens. Com o tempo a palavra apareceu: era verdade. Conforme a palavra é dita ela revela dor. Revela a verdade. A palavra sim no dia do impedimento revelou o quanto escolhemos mal nossos representantes políticos. Uma vergonha. Em nome de Deus eu digo sim. Em nome da minha mulher eu digo sim. Em nome do meu cachorro eu digo sim. Depois de tudo o que ouvimos, a palavra “sim” ficou ridicularizada. Às vezes acabamos com o sentindo de uma palavra. Tiramos-lhe a vida.


As palavras que usamos tão erroneamente é que são proibidas. Desaparecem! A palavra escrita e falada revela quem você realmente é. Ela o denuncia. Se você não consegue achar uma palavra nobre é porque lhe falta nobreza, falta compaixão. Achar defeito nos outros é fácil. Achar seus defeitos e examiná-los é difícil. Exige mudança. É preferível achar defeitos nos outros. Qual a palavra que o define? A palavra enobrece. A palavra mata. A palavra constrói. Cada um com sua palavra e faça bom uso.   

quarta-feira, 13 de abril de 2016

ESTÃO ASSASSINANDO NOSSOS JOVENS...


É difícil aceitar a morte de alguém que guardamos afeto em qualquer idade. Imagine de um jovem! Um pai que tem um filho morto violentamente sente todas as dores do mundo. Uma mãe que tem um filho morto violentamente sente a dor do parto. Os pais que têm um filho morto prematuramente, de forma brutal, morrem lentamente. Quando assistimos a um jovem sendo morto a pauladas pela torcida adversária sem qualquer piedade, nos indignamos. Ele tinha uma vida pela frente! Pensamos. Ele ou ela poderia ser um médico. Poderia exercer qualquer outra profissão. Tinham tempo para isto.  Poderia ser um bom pai. Poderia ser uma boa mãe. Tempo. O tempo foi encurtado por um psicopata. O tempo foi encurtado por um bando de psicopatas. O que dói é saber que tinham uma vida pela frente.

Quantos pais lamentam a morte de seu filho, que aconteceu de forma trágica. Quantos pais neste exato momento lamentam com a voz embargada e o choro doído, dispostos a estar no lugar do filho! Suplicam a Deus uma explicação. Por que, meu Deus? Os nossos filhos saem de casa para baladas e festas e não voltam. Ficamos em casa com uma angústia que vai aos poucos alterando nossos sentidos. Boca seca. Insônia. Uma sensação de que alguma coisa ruim pode acontecer. Uma sensação de que algo ruim já aconteceu. Intuição de pai e de mãe não falha. Tem gente neste mundo que não gosta de juventude. Mata por amor. Quem ama não mata.   Mata porque tem o outro como posse, como se fosse um objeto. Mata covardemente. Mata por causa de um celular. Quantos sonhos aniquilados, violentamente...

Quantos pais neste exato momento abraçam a roupa do filho que partiu brutalmente. Para sentir o cheiro. Não se desfazem dos pertences do filho para sentir sua presença. Para lembrar com saudade do filho que não volta mais! Criamos nossos filhos em uma redoma. Protegemos para que não sofram. Esquecemos de dizer que no mundo real existe gente boa e ruim. As drogas estão matando nossos filhos. Pedófilos e estupradores estão soltos. Os pais são responsáveis pela educação dos filhos, sim! Mas o Estado tem que proteger a vida dos nossos filhos. Todos os dias matam os nossos filhos. Um dia é bala perdida outro é atropelamento. A nossas filhas estão sendo assassinadas todos os dias. Viram apenas estatísticas. Os números são frios. A vida é quente. A vida não pode ser encurtada dessa maneira. A vida foi concebida para ser vivida por inteiro e com intensidade.


Os programas sensacionalistas adoram colocar nossos filhos mortos violentamente. Dá ibope! Fazem do sofrimento da família uma novela. Exibem incansavelmente a tragédia. Desrespeito. Insinuam. A dor de um pai quando perde seu filho lateja para sempre na sua alma. A dor de uma mãe que concebeu seu filho e o vê morto violentamente a faz sangrar todos os dias. A legislação é omissa. Desumanização. O consumo cego e exagerado não pode valer mais que a juventude.  É preciso urgentemente defender um Manifesto pela Vida!

segunda-feira, 4 de abril de 2016

EDUCAÇÃO PARA A FORMAÇÃO DE UM BOM MACHO


Quem não se lembra de frases clássicas a favor da formação do bom macho? “Homem que é homem não chora.” “Se chorar vai virar menininha.” (Usei menininha para ser politicamente correto.) Normalmente, alguns pais falam alto e em bom som para todos ouvirem o que não é correto politicamente: “se chorar vai virar bichinha.” Imagine se uma criança pequena sabe o que é bichinha. Pura ignorância. Homem tem que ser forte! Não imaginavam os antigos que a coragem de ser sempre forte criaria homens fortes por fora, mas fracos por dentro. Homem que é homem chora sim. Homem chora sim! O choro é um sentimento nobre. O choro é a expressão do sentimento de gente forte.  

Lembro-me de um amigo que tinha seus seis anos de idade e seu pai, num gesto nada plausível, fez com que ele comesse uma cebola inteira só para provar para seus amigos de bar que seu filho era homem. Loucura. Até hoje ele não come nada que leve cebola. Ficou traumatizado. Este gesto bruto não influenciou em nada na sua formação como homem.  O garoto cresceu, casou, teve seus filhos e nunca se esqueceu desta atrocidade do pai. Sobrou mágoa. Tenho uma amiga que tem cinco irmãs e um irmão temporão. Depois que ele nasceu o pai exigiu que ele fosse criado com um príncipe da casa. As meninas tinham que atender os gostos do homem príncipe do lar. Com razão elas ficavam “p da vida”.

Este menino príncipe hoje tem cinquenta anos. É um homem inseguro. Não recolhe a cueca do banheiro, não recolhe a toalha molhada. Senta no sofá e quer ser servido. Não tem mulher que aguente um cara folgado assim. O pai achava que estava criando um homem.  Formou um homem “bunda mole”. (Risos.) Quem já não assistiu ao “culto ao pipi”? O pai todo orgulhoso coloca o menino homem no centro da sala e mostra seu pipizinho como um troféu e ainda diz com convicção: este vai ser homem. Imagina o esforço que este menino vai ter durante a vida para provar que é um homem.


Tinha outro amigo que sua mãe era separada do pai e precisava dele para cuidar do trato da casa, enquanto ela saía para trabalhar.  Os amiguinhos viviam chamando-o de mariquinha. Ele lavava a louça e passava escovão no chão. Cuidava da casa. Era companheiro da sua mãe. Este amigo era muito tímido e quieto. Quase não tinha amizades na rua com outros meninos. Toda vez que saía de casa os coleguinhas faziam piadinhas da sua masculinidade. Só porque ele ajudava a mãe com questões domésticas. Que coisa preconceituosa. O meu amigo cresceu e virou um adulto feliz e resolvido.  Infelizmente esta cultura está viva em muitos lares, ainda. É o tipo de cultura que avalia a pessoa de fora para dentro e que é incentivada em muitos lares. Educação começa em casa. Seria bom que começasse sem preconceito.  

RIVALIDADE NO FUTEBOL


Antes, torcer por um time era pura emoção.  A rivalidade era um “sarro” ali, outro aqui. E só! Nada mais do que isto. Nenhum tipo de violência. As torcidas não eram organizadas. Ir ao estádio assistir a um jogo de futebol era um lazer da família. Os torcedores se misturavam. As camisas de times adversários se misturavam. As torcidas organizadas até já existiam, mas eram pequenas demais. Tomavam um pequeno pedaço da arquibancada. Os amigos, as famílias tomavam conta de quase todo o estádio. Depois do jogo saíam juntos do campo, cada um com sua camisa do time que torcia. Sem ódio. Sem agressão. Saíam do campo com um sorriso estampado no rosto, satisfeitos com o bom futebol apresentado. A rivalidade não passava de uma brincadeira simples. Meninices.

Com o passar do tempo, a torcida organizada tomou conta das arquibancadas. Gritos de ordem. Bandeiras e cantos. Organizadíssimos. As famílias sumiram dos estádios. A rivalidade, antes poética, agora transforma as ruas em campo de batalha. Transformaram os campos, agora modernos, em espaço de guerra. Matam a pauladas. Matam no tiro. Matam a facadas. Sem piedade. Matam gente inocente. Tudo em nome do seu time de coração. As torcidas vendem camisas. Vendem a imagem do time. Facções dentro das organizadas vendem drogas. Transformaram-se em uma grande empresa.  Um grande negócio. Entre uma vida humana e um bom negócio, a vida vale muito pouco. Capital é o que interessa.

O futebol é de menos. Quando os organizados promovem a barbárie e tiram vidas, prestam depoimento e saem pela porta da frente das delegacias. Alguns zombando da lei. A vida realmente não vale nada. Risco de vida constante. Sair de casa com a camisa do seu time e encontrar a torcida rival no caminho é morte quase certa. Com requintes de crueldade.  Chutes até a morte e o agressor ainda exibe a camisa retirada do adversário morto como troféu. Barbárie. Como pode a lei proteger os incivilizados? Para esta turma não existe a arte do futebol. O gol fica preso na garganta. Fanáticos. Destrutivos. Famílias são esfaceladas. Pais choram seus filhos. Cadê o futebol, gente?


Assistimos inertes, como se tudo isto não fizesse parte do nosso mundo. Parece que assistimos a um filme que o final é trágico. Ora, só um filme então, não é real. A violência é real todos os dias. Tocamo-nos quando a tragédia entra dentro de casa. Quando perdemos um ente querido. Morto a pauladas pelo time rival. Isto não é futebol. O futebol acabou... O pior é ouvir de um pai angustiado, aos prantos, que sabia que seu filho ou filha participavam deste tipo de torcida. Precisamos acordar deste pesadelo. A lei tem que punir estes assassinos que andam à solta. Vestem uma camisa de time e em nome dele escondem sua violência, preconceitos e um desprezo pela vida. 

terça-feira, 22 de março de 2016

O DIA SEGUINTE (The Day After)...


Um país imaginário no continente americano.

Após a cassação do seu mandado pelo Congresso Nacional, a agora ex-presidenta desce a rampa do Palácio do Planalto com cabeça erguida e olhar firme no horizonte. O que pensava ela naquele exato momento? Seu único lamento, diziam seus assessores, era que ela tinha sido injustiçada. A não ser as insinuações de improbidade administrativa, nenhuma prova a incriminava.

Mesmo com o olhar firme seus olhos representavam uma intensa solidão. Do lado direito da rampa os coxinhas, vestidos de verde e amarelo, gritavam palavras de ordem. Alguns se excediam nos palavrões. Do outro lado da rampa estavam os vermelhos, que em coro denunciavam que aquilo tinha sido um golpe. A cada passo da ex-presidenta para fora do Planalto o clima ficava mais tenso. Até o final da rampa, no seu último passo, a ex-presidenta não perdera a postura.

Antes que ela tirasse o pé da rampa por completo ouviu-se um tiro. Segundos depois, outro. Passa um carro a toda velocidade e dispara outro tiro na multidão, o povo corre alucinado. Antes separados pelos cordões de segurança, os verde e amarelo e os vermelhos se misturam em uma pancadaria geral. A ex-presidenta é protegida pelos seus seguranças e levada novamente para dentro do palácio. O exército entra em ação, ouvem-se mais tiros. Aos gritos uma senhora chama atenção para dois mortos, um de cada grupo. Os grupos que se confrontavam ficaram paralisados diante dos corpos. Uma senhora que não vestia nem verde e nem vermelho, espantada disse em bom som, “meu Deus o sangue de ambos é vermelho!” Os carecas do ABC, inconformados, gritam “não é sangue!” A briga recomeça violentamente e se espalha pelo resto do país. Cidadãos completamente cegos.

Na Avenida Paulista, um repórter da maior emissora de televisão é crucificado em frente a Federação das Indústrias com uma faixa no peito com os dizeres “liberdade de imprensa nunca mais”. Uma cena horrível. Começam as acusações: “foram os bolivarianos, eles estão infiltrados na multidão”. Uma senhora em estado de choque, com um cartaz na mão escrito “fim do direito das empregadas domésticas” grita “foram os cubanos”. Vários corpos estão espalhados pela Avenida Paulista, símbolo do capitalismo selvagem. Um homem grita “fora os fascistas”. “Abaixo a direita”, grita uma mulher em lágrimas. Um homem incauto tenta sem sucesso levantar os corpos (nestes acontecimentos sempre tem muita gente incauta). O país vira um palco de guerra. O exército enfraquecido assiste ao derramamento de sangue, decepcionando aqueles que defendiam a volta do militares ao poder.

Os políticos são cercados no Congresso. Pedem que sejam libertados e prometem ser bons políticos. São castigados. Os anarquistas colocam fogo nas duas casas de leis. Os políticos são amarrados e com medo confessam todos os seus crimes. Os coxinhas que podem escapam aos montes com destino a Miami (nem todos).  A presidenta volta ao seu posto. O país dividido. No sul os separatistas criam a República do Rio Grande do Sul.  No nordeste surgem os neocangaceiros, ainda mais violentos. Em Canudos aparecem os neoconselheiros, ainda mais fanáticos. Um país sem grandes líderes. Os neonazistas rasgam a constituição. Um país aos frangalhos. Alguns grupos em número menor pedem a intervenção americana com medo de uma suposta invasão dos chavistas.

Num sobressalto acordo e percebo que tive um pesadelo durante o sono.  O Brasil continua democrático. Respeitando sua constituição. Sem qualquer tentativa desesperada de golpe ilegal. Que a corrupção seja banida sem colocar em risco as instituições democráticas que ganharam força nas últimas décadas. Viva a democracia.   


quarta-feira, 16 de março de 2016

CONFUSÃO


A sensação é de confusão total. Cada dia uma novidade no mundo da política. Os denunciantes, depois de algumas horas de “pop star” e glória, viram réus. Publicamente esculhambados. A cada dia uma novidade nos relacionamentos. Amor perfeito, declarado com ostentação. Em um tempo curto, separação. O amor perfeito vira baixaria, escárnio. Um fala do outro sem qualquer preocupação ética. Alguns segundos e o evento é esquecido, esperando o próximo escândalo. Até o “japonês da Federal”, símbolo da lisura, foi pego com a mão na botija. Contrabando. Sensação do carnaval. Carcereiro da Lava Jato. Teve seu momento de glória. Caiu em desgraça em poucos dias. Cada dia uma confusão.

Cada dia uma confusão.  O jeans surrado, cabelo comprido, tênis desgastado e uma ideologia na cabeça e na práxis. Abaixo a Ditadura Militar. Tortura. Medo. Uma geração insegura. Caras pintadas, estudantes, jovens. Uma geração que sabia onde queria chegar. Encantou. Fora, Collor. O caçador de marajás. Iludidos. Fomos. Chiques. Passeiam e manifestam pelas ruas com roupas de grife. Antenados nas redes sociais. Aparecidos. Querem ser vistos. Fazem poses. Fazem caretas. Indignados. Pedem o fim da corrupção. Com razão. Esperam um herói. Quem será? Até agora aqueles que se colocaram à disposição a ser heróis caíram em desgraça.

A confusão é geral. A babá, o cachorro, o bebê e os patrões passeiam pela passeata. Civilizados. Como fica a luta de classe? Acabou? Panelaço. Não querem nem ouvir o que o outro lado tem a dizer. Ora, ordeiros. Ora, desordeiros. Um espetáculo atrás do outro. Um movimento atrás do outro. Os políticos ficam desorientados. A oposição oportunista. Vaiados. Expulsos. Embusteiros. Estão como barata tonta. Confusão. Xingação. Político em baixa. Parece que não entenderam o que a rua deseja. Ou fazem de conta que não entenderam. Estão de olho nas eleições de outubro. Apavorados.

Eleição. Não venda voto. Não compre voto. Temos culpa no cartório, elegemos e amanhã não nos lembramos em quem votamos. Esquecimento. Não levamos a sério esta responsabilidade de eleger. Elegemos. Parece que temos vergonha de dizer que elegemos irresponsavelmente.  A confusão é geral. Quando chega a eleição votamos no que estamos enxergando. Imediatismo. Não analisamos. Parece que tratamos eleição como entretenimento. Diversão. Tiramos o corpo fora. Imputamos responsabilidade ao outro. Sentimos aliviados. O povo não sabe votar. O povo é burro. Desapreciamo-nos. É o tal complexo de vira-lata. Estamos como barata tonta. A confusão é geral.


A saída está em nossas mãos...

segunda-feira, 7 de março de 2016

MULHER É COR-DE-ROSA CHOQUE: NÃO PROVOQUE!


O Dia Internacional da Mulher deve ser comemorado em todos os cantos do planeta.  Deve ser lembrado como um dia de luta.  Deve ser lembrado conscientemente que ainda há muito que conquistar em um mundo tão desigual na convivência diária entre homens e mulheres. Um mundo tão desigual entre mão de obra e capital. Deve ser celebrado como um dia para elogios e flores. Um dia para denunciar as atrocidades contra as mulheres em lugares do mundo em guerra. Estupros e violências contra a honra. A mulher nas últimas décadas foi inserida no mercado de trabalho, mas ainda é vitima da cultura machista. O costume de ver a mulher como objeto ainda é latente. A violência doméstica tem aumentado assustadoramente a cada dia. Ainda tem mulheres que são apedrejadas até a morte.

As mulheres embelezam o mundo. As mulheres trabalham tanto quanto os homens e seus salários são menores. As mulheres são mães. As mulheres têm dupla jornada de trabalho: na empresa e quando chegam em casa. As mulheres são lindas. As mulheres são guerreiras. Enquanto você lê este texto centenas de mulheres estão sendo estupradas. Agredidas. Neste dia as mulheres devem ser elogiadas pela sua força. Elogiadas por assumirem sozinhas o comando da casa e a criação dos filhos. As mulheres nos últimos anos têm assumido cargos antes só exercidos por homens. Não são valorizadas monetariamente.

O Dia Internacional da Mulher é um dia de reflexão. Há lugares no mundo em que ainda existe a prática da circuncisão. Mutilação. As mulheres são encantadoras. Há quem questione a existência de um dia dedicado à mulher. Acham que todo dia é dia da mulher. Mentalidade machista. De todas as comemorações o Dia da Mulher deve ser um dos mais respeitados.  Aos olhos e vontade de muitos homens as mulheres devem ser submissas. As mulheres devem aceitar a traição. Devem aceitar a outra em silêncio. Existe justificativa religiosa para que mulher aceite a traição. Absurdo. Deus não tem nada a ver com isso. Existe política clara para subestimar a mulher. A mulher é catalogada entre feia e bonita. Como mercadoria. Não subestime uma mulher, pois você não sabe da sua força.   


A idéia de levantar estas questões não é para acirrar diferenças entre homem e mulher. Urgentemente é preciso humanizar essas relações. Urgentemente! Talvez precisassem descobrir quem deseja esse acirramento. A paz é possível. Cor-de-rosa choque.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

TIMIDEZ


Tenho a impressão que o sujeito tímido é aquele que deseja se esconder do mundo. Não quer pertencer a este mundo maluco e esconde na timidez as suas aflições. O tímido guarda pra si seus sonhos e desejos. Existe um medo constante do tímido de ser roubado. Ele vive preso dentro de si para não ser julgado. O tímido vê o mundo de forma diferente. Ele fala com os olhos. Ele fala com as mãos. Ele é atribuído de muitas linguagens. Para quem não é tímido é difícil perceber seus gestos. O tímido fala com sorriso quase opaco. A timidez é um disfarce.

Não é fácil ser tímido em um mundo exibicionista. Cresça e apareça a qualquer custo – este é o lema. Não é fácil ser tímido em um mundo que para ser celebridade basta ser idiota. Não é fácil ser tímido em um mundo em que a exposição do corpo é explorada exaustivamente. Beleza. Cada um tem a sua beleza. O tímido é um sujeito esquisito. Bobo. Fora de contexto. Engana-se quem pensa assim.  A timidez é uma auto defesa contra a mediocridade. O tímido é um observador nato. Se sente no mundo diferente de quem se considera normal. “Normal”! Como diz o poeta: de perto ninguém é normal.  

Engana-se quem pensa que o tímido é aquela figura retraída. Engana-se quem acha que o tímido é aquele sujeito recatado. O tímido pode ser extrovertido justamente para esconder a sua timidez. O tímido esconde seu olhar. Não porque é covarde e não encara, é que sua timidez lhe permite ler a alma do observado. Não é fácil ser tímido. A sua personalidade é forte. Ele tem medo de falar o que está vendo nas entrelinhas das pessoas e machucá-las. Não é fácil ser tímido em mundo de mentiras. Em um mundo de faz de conta. A timidez é uma defesa constante. O tímido é um ser de mil facetas. Sabe aonde quer chegar. Não se iluda com a ideia que a timidez o impeça de chegar a algum lugar.


Timidez é um estilo de vida...  

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

JOSÉ ROBERTO SANTOS PEREIRA: ENCANTADOR


A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. 
Manoel de Barros
Deus, porque tem levado tanta gente querida?

Prof. Zé Roberto, era assim que os alunos de História de Moema o chamavam. Não importava o horário da sua aula na grade de disciplinas da Faculdade, estávamos na sala de aula esperando a novidade da noite.  Sempre uma boa aula. O Prof. Zé, com seu entusiasmo e conhecimento, era o nosso presente. Reflexão. Uma aula dele era uma lição de vida. As aulas eram tão fortes e marcantes que ficávamos depois do horário para discutir temas interessantes propostos pelo mestre.

A aula na grade podia ser a última da sexta feira, mesmo assim a sala estava cheia de alunos entusiasmados para saber que pedaço do conhecimento iria desmistificar aqueles momentos difíceis que vivíamos. O Zé tinha este dom de encantar.  Movimentos sociais eclodiam. Os militares resistiam. Greves. Diretas Já! Movimentos culturais surgiam de todo lado. Alunos inquietos e loucos para participar. Alunos que queriam adquirir conhecimento para entender o que estava acontecendo. Foi neste contexto de efervescência que entrou o Prof. Zé Roberto generosamente em nossas vidas. 


                                      Prof. Zé Roberto

O Prof. Zé não se comunicava com seus alunos de cima de um pedestal. O Prof. Zé não era igual aos seus alunos. O Prof. Zé se comportava como um educador. O que intermediava e enriquecia esta relação com seus alunos era o conhecimento.  O seu conhecimento pessoal também! Tinha uma capacidade quase única e pontual no uso da fala.  Nunca exagerava ou falava de menos. Pontual. Profundo. O Prof. Zé tinha uma capacidade imensa de ouvir. Quando opinava, acolhia. O interpelador falava incansavelmente e o mestre ouvia com toda paciência do mundo sem falar uma palavra. Ouvia calmamente. Depois da conversa o aluno se levantava satisfeito com o silêncio e muitas vezes com as respostas que encontrava em si.  Foi com o mestre Zé que aprendi que o silêncio também fala.

Aproveitávamos da sua generosidade. Quando precisávamos de um aconselhamento, aconselhava com carinho e amor. Não brincava com os nossos sentimentos. Não mentia. Não iludia. Apontava caminhos. Não apontava o caminho certo ou torto. Dava ferramentas para o aluno construir seu caminho. Um educador com uma postura impecável.  Conversar com o Prof. Zé era aprender como se deve respeitar o conhecimento. Respeitar a vida.  Tinha uma enorme facilidade de mostrar como éramos importantes. Assim era o mestre Zé.

Reencontramo-nos anos depois para organizarmos o Projeto de Educação para Secretaria de Educação de Cotia. Juntamos nesta época um fabuloso grupo de educadores. O mestre apontava caminhos sólidos com seu conhecimento. Um homem enriquecedor.  Assumimos a Secretaria da Educação depois de uma eleição para Secretário e o Prof. Zé assumiu a Coordenação do Departamento Pedagógico. Brilhou. Novamente contamos com sua generosidade. Os seus cursos de História da Arte eram incríveis. Os seus cursos eram concorridos.  Não brilhou sozinho, fez com que brilhássemos. Coletivo. Resta lamentar esta partida tão cedo, meu Deus!

Não era um homem completo - ainda bem - brilhava na sua incompletude. Sabia como ninguém socializar seu conhecimento. Era um encantador de gente. 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

CARNAVAL, OLIMPÍADAS E ELEIÇÕES...


Que tal nos comportamos de forma diferente nestas eleições?  Deixar de lado todas as pedras (no sentido figurativo) que gostaríamos de atirar nos políticos e analisá-los a partir daquilo que desejamos para nosso cotidiano? Este desejo não pode ser individual e sim coletivo. Combinado. Analisaremos como nos comportamos ou deveríamos nos comportar diante da enxurrada de informações que receberemos daqui para frente, de todos os candidatos.

Ora, todos os candidatos, sem exceção, se apresentam como um produto exposto em uma prateleira de supermercado. Impecáveis. Gastam milhões para aparecer aos nossos olhos como defensores dos nossos interesses, sempre simpáticos! Já que se oferecem como produtos, então vamos comprá-los como tal e com muita cautela.

A primeira observação é olhar a validade do produto. Prevenção. Não compramos produtos perecíveis para colocar na mesa de casa, não é mesmo? Mas atenção! Não estou falando da idade do produto... Depois devemos olhar o enunciado que apresenta este produto.  A etapa seguinte é pesquisar sua origem.   

Muito cuidado, quem vê cara não vê coração. Questionamentos. O candidato que se apresenta já teve algum cargo no poder legislativo ou executivo? Como foi seu desempenho? É bom conhecer a história deste produto todo pomposo e agora tão solícito.
Apenas uma advertência: estas indagações não impedirão você de votar errado de novo. Todos (quase todos) os candidatos criam uma imagem de vida associada a sofrimento. Desta forma nos sensibilizam. Somos um povo emotivo. Muito cuidado! Cuidado principalmente com as histórias de vida tipo melodrama mexicano.

Mesmo com todo cuidado a embalagem dos produtos pode ser enganosa. Pode dizer uma coisa e ser outra.

Há um tempo diria que a história de um candidato era importante e bastava no sentido da nossa escolha. Agora não é bem assim, eles estão muito parecidos. Fica difícil decidir. Fica difícil escolher.
Mas aqui com meus botões, não é tão difícil escolher um candidato. É só refletir nestas questões: Como anda a saúde da sua cidade? Como anda a educação da sua cidade? Como anda a segurança da sua cidade? Como anda a mobilidade urbana na sua cidade? Penso que estas perguntas podem ajudar a escolher ou formar o perfil de um candidato. Além disso, uma forma coletiva de pensar a política com ética que tanto desejamos.

Franqueza é uma coisa importante na vida. Ou nos comportamos como cidadãos que realmente queremos uma educação melhor, um atendimento humano na saúde, segurança e um transporte melhor, ou estamos perdidos. Se tivermos a mesma preocupação com política como aquela que temos com o futebol, as coisas serão diferentes. Adoro futebol.

Não vale votar em troca de um cargo que vai lhe compensar individualmente. Sabe, não vale o jeitinho... se conseguirmos pensar na escolha de um candidato a partir das nossas necessidades sociais, com certeza eliminaremos muitos candidatos sem noção do que é servir a sociedade.


Mesmo assim podemos cometer erros. Errar faz parte da nossa caminhada... O que não podemos é deixar os outros decidirem pela gente ou fazer de conta que política é algo distante e que não faz parte da nossa vida. Os produtos engomadinhos adoram este tipo de comportamento.  Até agora analisamos a aparência, a embalagem, falta olhar o conteúdo deste nosso produto.  Aí precisamos aguçar os nossos olfatos.  Porém, este critério também é muito importante para escolher um candidato e será preciso escrever um outro artigo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

UM CONTO DE CARNAVAL


Naquela pacata cidade do interior ninguém imaginava que Dorotéia faria o que fez. Ninguém mesmo! Nem o Padre Adalberto. Dorotéia, moça recatada. Tímida. Quando saía de casa para ir à missa atravessava a praça com a cabeça escondida entre os ombros. Na cidade ninguém conhecia seu olhar. Nunca dera ousadia a ninguém. Mas em que lugar deste mundo não há um alcoviteiro? Em todo canto. As más-línguas falavam. Diziam que ela cobria o corpo todo com aquela roupa preto grafite até a cabeça por sofrer de um amor não correspondido. Um abandono amoroso bem no início da adolescência.  Gervásio, o chalaça do lugar, dizia de boca cheia que tinha visto a moça há muito tempo se banhar na Lagoa da Serra. Dizia ele, corpo escultural. Ninguém no lugarejo acreditava em Gervásio por contar muita mentira. Mentiroso de mão cheia.  

Além das missas, que Dorotéia não perdia todos os dias no mesmo horário, ela também visitava o confessionário de Padre Adalberto. Do seu trajeto, que consistia vir do final da rua principal da cidade até o Largo da Matriz, Dorotéia caminhava impecável. Lentos passos... o braço junto do corpo se movia a cada passo com leveza. Os homens suspiravam, os olhos das mulheres eram invejosos. Elas também invejavam aquela solidão retida. Que segredo guardava Dorotéia, perguntavam-se as mulheres da vila. Às três da tarde em ponto ia rumo ao confessionário, sentava-se espartanamente e conversava com o padre com voz baixa e suave. Uma única vez um deslize, e aqueles que estavam na fila do confessionário viram algo da moça em apenas um lapso de segundo: um descuido e o seu véu preto caiu. Antes que chegasse ao chão pegou-o no ar e cobriu o rosto novamente.  Todos viram uma lágrima correr pelo seu rosto. Porque aquela lágrima? O que ela revelava?

Da casa da família de Dorotéia ninguém ouviu um barulho naquele Carnaval. Eles ouviam marchinhas antigas, soube-se depois, mas ouviam com extrema discrição. O volume da vitrola era tão baixo... Há alguns anos a família morava ali e ninguém se aprazerava da amizade dos moradores daquela casa. Janelas fechadas que se abriam em raras exceções. Apenas quando a procissão passava e mesmo assim nem sempre a janela se abria. A família de Dorotéia viera morar na cidade vinda da cidade grande. Da metrópole. Na igreja sentavam-se religiosamente nos bancos da frente o pai, a mãe e dois irmãos.  O silêncio e a educação daquela família provocavam urticárias na língua dos beatos e beatas. Que segredo guardava aquela família? Os maledicentes inventavam histórias fantasiosas. Será que eles teriam vindo fugidos da polícia?  A completa discrição da família de Dorotéia incomodava os invejosos.

Naquele dia em que o véu caiu e Dorotéia ficou desprotegida, a conversa dos fofoqueiros da fila da confissão beirava a loucura: alguns diziam que a moça era bela, cabelo comprido e preto, os olhos castanhos e os lábios grossos. Somente Valdirene dizia que Dorotéia era nariguda e feia. Pura inveja. Feia era Valdirene. Solteirona rancorosa. Mexeriqueira. Uma coisa pode-se dizer tranquilamente – Dorotéia era linda.

Com a chegada do Carnaval a rua principal se enchia de foliões. A cidade, que não tinha mais do que dois mil habitantes, neste período de festa pagã chegava a vinte mil. Muita alegria. O que os moradores não sabiam era que aquele carnaval seria diferente dos outros. Bem diferente, mas não trágico...

Na terça-feira de Carnaval, a casa silenciosa reverberava marchinhas estridentes. As janelas estavam escancaradas e o “Pierrô Apaixonado” era ouvido na outra extremidade da rua. Barulho incomum naquela casa, mas tanto o barulho como as brincadeiras de lança perfume e a algazarra não foram percebidos pelos foliões. Ninguém se atreveu a dar uma olhadinha pela janela aberta, nem mesmo se importou com a novidade estranha, pois blocos e mais blocos passavam pela rua chamando quem quer que estivesse por ali para a folia.

A música alta na casa só foi percebida na manhã de Quarta Feira de Cinzas. Quando os moradores começavam a despertar e caminhavam para a missa, os curiosos começaram a se aglomerar na frente da casa. Ninguém se aproximava da janela escancarada, enquanto as marchinhas continuavam ecoando pela rua sem nenhum pudor. “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é...” “Quanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...” “Ei, você aí, me dá um dinheiro aí...” A urtiga das beatas aumentava assustadoramente a cada nova marchinha. Não demorou em surgir a pergunta no meio da multidão: “- Quem tem coragem de entrar na casa para ver o que está acontecendo?” Antes que alguém fosse indicado pelos curiosos, Gervásio saltou como um gato e soltou um grito. Eu!
Começou a “entração” de Gervásio na casa, cômodo por cômodo. Depois de alguns minutos o alcoviteiro apareceu na porta da frente com os olhos esbugalhados.  A multidão se espantou. Alguém exclamou: “- O que aconteceu?” Gervásio sem cor e sem voz disse ter sumido todo mundo da casa. Não tem uma alma viva na casa. Até os móveis sumiram, menos a vitrola que tocava marchinhas. Espanto geral. Será que foram sequestrados? Será que foram abduzidos? Perplexidade! Toca o sino da igreja e os fieis caminham para a Missa de Cinzas cabisbaixos e com conversas entre lábios. Ninguém naquele momento teve coragem de dizer um nada sobre o sumiço da família de Dorotéia.

Quando Gervásio se atreveu a falar alguma coisa, um psiu autoritário soou do meio do povo e sua fala foi cortada pelo meio: “- Será que foi o...” Psiu! E todos ali caminharam para a missa. A igreja enfeitada. Os coroinhas em prontidão. O coral e a pequena orquestra esperavam a chegada do padre. O padre que era rígido com os horários e não aparecia. Nos anos de paróquia Padre Adalberto nunca tinha se atrasado. Nem quando estava doente se atrasava.  Os fieis estavam inquietos, queriam se limpar dos pecados da festa pagã.  Dona Antonieta, fervorosa em sua fé – fé que era proporcional à sua língua maledicente – soltou um “Será que é o que estou pensando?”. Ela não gostava do padre por motivos não sabidos no povoado...

Antes que Dona Antonieta continuasse com seus pensamentos maldosos os primeiros acordes da orquestra acabaram com as conjurações contra o padre. Quando ele entrou acompanhado dos coroinhas e os cânticos religiosos, o público na nave da igreja se espantou. Cadê o Padre Adalberto? O que ali entrara era seu substituto! Murmúrios tomaram conta da igreja.  Uma voz mansa perto da sacristia dizia, “será que Gervásio e Dona Antonieta tinham razão em suas elucubrações?” Uma voz mais suave do que a outra dizia “não passa de divagações destes fofoqueiros.” Outra voz com um tom sarcástico indagava, “será?”.

Em questão de minutos os boatos com a ausência do padre na Missa de Cinzas e o sumiço da família de Dorotéia se espalharam pela cidade. Como a mente humana é perversa, principalmente quando pode existir a possibilidade de um amor verdadeiro! Evaldo, o cocheiro, dizia abertamente para quem quisesse ouvir: Padre Adalberto e Dorotéia tinham fugido no sábado de Carnaval. A fala do cocheiro continha inveja e ódio. Evaldo era louco por Dorotéia. Um amor platônico, nunca correspondido.

Ambos tinham realmente fugido juntos. Padre Adalberto era aquele amor adolescente de Dorotéia que simplesmente sumira. Ele não tinha ido embora como imaginara Dorotéia. Tempos depois ela ficara sabendo que os pais do rapaz trabalhavam na construção da ferrovia que crescia para o interior. Anos de busca do seu amor e Dorotéia descobriu que Adalberto tinha se ordenado padre em uma pequena cidade. Um detetive pago pela família havia descoberto seu paradeiro. Isso explica a chegada repentina desta família ali no povoado. Mas até hoje, a única coisa que os moradores da cidade sabem é que de fato eles tinham fugido. Ninguém nunca soube dos detalhes deste belo reencontro.  

O reencontro de um amor do passado só presta saber aos envolvidos. Ninguém na cidade sabe como eles viveram depois do desaparecimento. Tiveram filhos? Foram felizes? Há sentimentos na vida que só interessam aos que os sentem. O sumiço da família foi planejado antes que descobrissem o amor entre Adalberto e Dorotéia. Não queriam passar nenhum tipo de constrangimento. Outras histórias apareceram na pacata cidade. Mentiras. Invejosos. Para alguns é tão difícil entender o que é o amor. Nem toda história de amor tem um final feliz. Esta até onde sabemos teve um. As línguas maledicentes jamais apagariam a beleza deste amor entre Adalberto e Dorotéia.


Uma única dúvida restou: por que a família deixara para trás a vitrola tocando marchinhas? Por quê?

domingo, 31 de janeiro de 2016

“PRO DIA NASCER FELIZ”


Você já assistiu a um filme que lhe marcou tanto que gostaria que seus amigos vissem? Um filme que lhe provocasse tanta emoção e reflexão que você gostaria que muitas pessoas assistissem? Quando assisti ao filme “Pro Dia Nascer Feliz” (o filme está à disposição no Youtube), do cineasta João Jardim, me deu essa vontade louca que muitas pessoas fizessem o mesmo.  Assistam! Aí resolvi escrever este pequeno artigo. O filme trata de um tema que nos custa caro, enquanto nação. Um tema corriqueiro quando se fala que alguma coisa precisa mudar no país. Educação. Quanto nos custa caro uma educação de péssima qualidade?

Um documentário extraordinário.

O filme não traz nenhum especialista em educação para tratar do assunto. Nenhuma reivindicação política. Nenhum curioso querendo tratar de um assunto que desconhece. Nenhum palpiteiro. Os protagonistas do documentário são aqueles que estão inseridos no contexto da escola. Funcionários. Alunos. Direção e professores. A clareza com que estes atores inseridos ali falam de violência, abandono, despreparo profissional, humilhação, condições péssimas de trabalho, pautam-nos que os problemas são muitos, mais sérios do que imaginamos.

Jovens de regiões diferentes do Brasil com sua fala acentuam descaradamente como a educação é tratada com descaso e desrespeito pelos agentes públicos. Com toda falta de estrutura, adolescentes buscam uma saída através do estudo. Destaca-se uma garota, poetisa nordestina, que acredita no seu talento, mas é desacreditada pelos amigos e professores que não enxergam nela este talento. Entretanto persiste! O aluno carioca que trava uma luta árdua entre ficar na escola ou entregar-se a o tráfico. No tráfico ele será muito mais reconhecido do que se frequentar a escola.  Os professores não desistem deste garoto. Investem em projetos interdisciplinares. Sozinhos. A garota de classe média da escola particular em São Paulo que tem seu caminho trilhado. Futuro certo. As diferenças sociais deste país são realmente gritantes.

Um filme que merece ser assistido!

O que me deixou emocionado e perplexo foi a angústia no depoimento dos nossos jovens, bem nascidos ou não, com a ausência dos pais. Muitos querem ser ouvidos. Abraçados. Querem atenção. Muitos jovens encontram este aconchego no seio da escola. Este fato reforça a ideia, já antiga, de que a presença dos pais no ambiente da escola é salutar. Muitos pais não conhecem seus filhos até serem chamados à direção por alguma situação disciplinar. Reagem perplexos: “Este não é meu filho.” - quando a Direção relata as atitudes dos seus rebentos.  Muitos pais não sabem lidar com este novo filho. A contrição é a primeira reação.

Um grupo de jovens conversa entre si sobre as agressões praticadas por eles contra professores com a maior naturalidade. Professores com medo. Professores acuados. Agressões físicas e psicológicas. Os pais desconhecem. Um documentário que deve ser assistido... A saída deste caos é simples, mas não simplista.


Um filme necessário, que deve ser assistido com a família. Insisto!