Venha compartilhar um pouco do trabalho que realizo como historiador e professor da cidade de Cotia. Mergulhe no passado das pessoas que construiram este lugar, recorde fatos marcantes que deram identidade cultural a esta cidade.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O LENDÁRIO NHÔ NHÔ


    Theodomiro de Castro Pedroso, conhecido pelo apelido de Nhô Nhô, nasceu em 1894, durante sua existência nesse mundo, fez de tudo um pouco. Foi doceiro, coveiro, compositor, músico, curandeiro, balconista de bar, apontador de jogo de bicho e juiz de paz, profissão que exerceu por 32 anos. A sua filha, Maria Aparecida do Rosário Magalhães, herdou a profissão do pai e fica emocionada quando, ainda hoje, recebe documentos assinados por ele.


   Dizem os moradores antigos de Cotia que existia uma brincadeira que faziam com Nhô Nhô e que reforça sua imagem de pessoa lendária. Qualquer objeto que quebrasse poderia ser levado na casa do Nhô Nhô, que ele consertaria. Este fato tornou-se motivo de gozação: quando alguém quebrava algum objeto, ou ficasse doente, sempre tinha alguém que dizia, com o sorriso aberto, manda para o Nhô Nhô que ele dá um jeito. A ele foram atribuídas várias habilidades: além de casamenteiro, Nhô Nhô também consertava dentadura, lâmpada queimada e, de lambuja, aplicava injeção.



   A Theodomiro também foram atribuídos poderes sobrenaturais. Um certo dia, em frente à Igreja Matriz de Cotia, quebrou um caminhão fordinho, que passou ali o dia todo. No final da tarde, Nhô Nhô vinha subindo a rua Senador Feijó em passos lentos e passou pelo grupo de pessoas que tentava consertar o caminhão, sem muito sucesso. Alguém que estava ali labutando para fazer o fordinho funcionar, gritou para Nhô Nhô, que já estava um pouco distante do caminhão: “Nhô Nhô, o que o senhor acha que tem esse caminhão?”. Meio de lado e ainda caminhado ele respondeu: “Coloque água no carburador”. Passivamente, o suposto mecânico seguiu o conselho: o caminhão funcionou e pôde seguir viagem. Bravo!


 Dona Maria recorda que, às vezes, acompanhava seu pai até o auditório da Rádio Difusora para assistir ao programa “Hora da Saudade”, comandado pelo famoso locutor da época Dr. Dárcio Ferreira. Nesse programa, Nhô Nhô conheceu o músico Fego Camargo, pai da apresentadora de televisão Hebe Camargo. Às vezes, Nhô Nhô recebia o amigo em casa para comporem valsinhas e conversarem sobre música; muitas vezes, Fego ia visitá-los para buscar uma bebida de gosto doce com o nome de pau-a-pique. Receita:

Pinga
Açúcar
Canela
Gengibre
Rodas de Limão
Pó de Cravo
Anilina (a cor que você desejar)

   Aparecida do Rosário Magalhães encontrou numa caixa de sapato, várias partituras de valsinhas e letras que confirmam a musicalidade de seu pai. Nhô Nhô fez 52 valsinhas. Abaixo um pedaço da partitura da valsa Uma Noite em Cotia. Além das partituras, encontramos uma folha de papel com trechos de duas valsinhas. Nenhuma tem título, mas vale a pena conhecê-las.


(valsinha 1)

Já fui alegre e contente
Hoje eu não sou ninguém
Já consolei muitos tristes
Hoje sou triste também

Que viver triste no mundo
Venha juntar-se comigo
Venha passar como eu passo
Venha viver como eu vivo

Dos meus olhos correm lágrimas
Os passarinhos reclamam
Por não poder se ajuntar
Dois corações que se amam


(valsinha 2)

Parece que é cedo e muito cedo
A minha, em breve findarei
Eu só peço que não vertas uma lágrima
Todo aquela que amizade eu dediquei

Nem tu mesmo oh mulher que eu prometi
De adorar-te como os anjos adoram a Deus
Mesmo assim deixo a todas um abraço
Toda aquela que amizade eu dediquei


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