Venha compartilhar um pouco do trabalho que realizo como historiador e professor da cidade de Cotia. Mergulhe no passado das pessoas que construiram este lugar, recorde fatos marcantes que deram identidade cultural a esta cidade.

sábado, 24 de agosto de 2013

QUE FALTA DE EDUCAÇÃO?


 Em poucas linhas poderia enumerar centenas de mazelas que colocam a educação no Brasil com índices de aproveitamento muito ruim, em termos de qualidade. Poderia, sem muito esforço, buscar informações e notícias que mostram o descaso (desvio de verba- misturado com ineficiência) dos municípios com o gasto do dinheiro destinado à educação. Poderia buscar trechos de livros de estudiosos e pesquisadores que apontam a educação como carro-chefe para qualquer mudança positiva que o país queira alcançar. Não conheço ninguém que diga que educação não seja importante, ninguém mesmo!A cada discussão ou a cada texto escrito sobre educação reafirmamos essas mazelas, exaustivamente,como se não pudéssemos viver sem elas. Despretensiosamente, proponho um olhar para a educação na sua base: nos municípios. Quais os entraves que dificultam ou facilitam ou criam um processo de lentidão que faz com que as coisas continuem péssimas na educação?

Há coisas positivas: há décadas que a educação tem garantido que o município (Estado e Federação) tem obrigatoriedade, por lei (constitucional), de aplicar 25% do orçamento. No final da década de 90,foi criado o Fundef (15%) que tinha como prioridade atender o ensino fundamental e, em meados de 2000, o Fundeb (15%) priorizou o investimento da pré-escola ao segundo grau. Com esse suporte financeiro garantido, que motivo impede que a educação não dê saltos qualitativos e quantitativos? De bate-pronto podemos dizer que é a corrupção, também, junto com ela a ineficiência (falta de gestão). Definitivamente, falta de projetos com objetivo, metas e resultados. Mesmo com a garantia desse suporte financeiro, normalmente não é a Secretaria ou Departamento de Educação que administra essa verba. Outra secretaria, um corpo estranho, que determina o uso desse dinheiro, parece que as coisas são feitas para não funcionar. Como que uma secretaria pode planejar um projeto educacional se ele não sabe dequanto dispõe financeiramente? A verba da educação deve ser gerenciada pela educação.

O poder legislativo e executivo, inserido na estrutura da educação com a cultura do “jeitinho” do “você sabe com quem está falando” é um dos entraves para que a educação não saia do marasmo que está há tanto tempo. Porque o secretario da educação, ao assumir o cargo, não apresenta um projeto educacional? (mesmo que o cargo seja de confiança). Numa sugestão mais ambiciosa,poderia ter eleição para secretário da educação, com projeto discutido com a rede (funcionários de apoio e educadores) e com objetivos, metas e resultados bem definidos. Com certeza os avanços necessários seriam mais rápidos e se evitaria (em parte) desvio de dinheiro público e daria descanso para a ineficiência. Para isso é preciso coragem e determinação política do poder executivo.

 Precisamos parar com essa história de que o aluno finge que aprende e o professor finge que ensina e o governo faz de conta que cuida da educação. É preciso colocar o dedo na ferida e dar um basta no fisiologismo político.

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

AO PAI MAIS CARENTE DO MUNDO

 

No dia dos pais ganhei o novo livro de poesia do fantástico poeta pop Paulo Leminski, na contra capa, também ganhei uma dedicatório do meu filho ìcaro. Marcante! Posso não ser, ou ter sido o melhor pai do mundo, mas é muito bom receber um elogio de um filho. Um abraço e um beijo meu filho. Vamos a dedicatória:


Ao pai mais carente do mundo.

Embora tenhamos nos afastados nos últimos tempos, quero que saiba que és um exemplo para mim. Todas as minhas ações e atividades são efetuadas e concretizadas, pensando na sua reação e nas suas atitudes. És um grande homem, e conviver contigo é um grande apredizado constante. Tenho muito orgulho de ter vindo nesta vida como seu filho. Grato etrnamente. E orgulhoso de ser seu filho.

Icaro Martinez
17/08/13


Paulo Leminski 
Acaso é este encontro
entre o tempo e o espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que eu faço?

 
 

domingo, 18 de agosto de 2013

SOBRE A MORTE...


Ontem, quando estava a caminho de uma Rádio Comunitária para uma entrevista, fui pego de surpresa com uma pergunta de Maria Karolina. Tipo pergunta desconcertante: Papai o restaurante do seu amigo que morreu está aberto, como pode estar aberto se ele morreu? Levei um susto e, simultaneamente, pensando no que responderia. Como é dicífil pensar uma resposta convincente em milésimo de segundo,quando a pergunta é estonteante e feita por uma criança. Ufa! Como tem criança com uma dúvida desta? Pensei.E ser tão objetiva em relação ao que queria saber. Como o restaurante está funcionando se o meu amigo morreu?

Olhei bem, pensei, olhei firme para Maria,ela com aquele jeito de criança à espera da resposta, anunciando, no semblante indagativo, que não desistiria de uma bela e convincente explicação. Filha, todos nós morremos um dia. Antes que continuasse a explicação, ela interrompeu e lascou outra pergunta. Como o vovô? É, filha, como o vovô. Tenho saudade dele Papai. Eu também tenho, filha! Quando morremos deixamos lembranças e saudades, ficam os filhos, netos e amigos que sempre vão lembrando,contando estórias que aconteceram com a gente, assim não deixamos as pessoas morrerem, elas estão sempre presente. Lembrança é quando o Ícaro fala das coisas engraçadas e a viagem que fizemos com vovó Zé? É isto mesmo!


O amigo do Papai morreu, mas sua família continua tocando o restaurante. Imagine se eu tentasse explicar sobre a morte sem a pergunta feita pela Maria sem o interesse dela, poderia ser desastroso, ela não conseguiria entender algo tão subjetivo. Fica uma dica que alguns temas devem ser explicados na hora certa, principalmente quando são perguntados, os adultos têm o defeito de querer explicar coisas para os filhos que não devem ser antecipadas (risos).Depois da explicação, olhei de rabo de olho, e notei, na expressão facial da Maria, que ela estava pensativa. Fiquei esperando outra pergunta que não veio. Uma grande dúvida tomou conta do meu coração: será que ela entendeu a explicação? Só o tempo dirá.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O LENDÁRIO NHÔ NHÔ


    Theodomiro de Castro Pedroso, conhecido pelo apelido de Nhô Nhô, nasceu em 1894, durante sua existência nesse mundo, fez de tudo um pouco. Foi doceiro, coveiro, compositor, músico, curandeiro, balconista de bar, apontador de jogo de bicho e juiz de paz, profissão que exerceu por 32 anos. A sua filha, Maria Aparecida do Rosário Magalhães, herdou a profissão do pai e fica emocionada quando, ainda hoje, recebe documentos assinados por ele.


   Dizem os moradores antigos de Cotia que existia uma brincadeira que faziam com Nhô Nhô e que reforça sua imagem de pessoa lendária. Qualquer objeto que quebrasse poderia ser levado na casa do Nhô Nhô, que ele consertaria. Este fato tornou-se motivo de gozação: quando alguém quebrava algum objeto, ou ficasse doente, sempre tinha alguém que dizia, com o sorriso aberto, manda para o Nhô Nhô que ele dá um jeito. A ele foram atribuídas várias habilidades: além de casamenteiro, Nhô Nhô também consertava dentadura, lâmpada queimada e, de lambuja, aplicava injeção.



   A Theodomiro também foram atribuídos poderes sobrenaturais. Um certo dia, em frente à Igreja Matriz de Cotia, quebrou um caminhão fordinho, que passou ali o dia todo. No final da tarde, Nhô Nhô vinha subindo a rua Senador Feijó em passos lentos e passou pelo grupo de pessoas que tentava consertar o caminhão, sem muito sucesso. Alguém que estava ali labutando para fazer o fordinho funcionar, gritou para Nhô Nhô, que já estava um pouco distante do caminhão: “Nhô Nhô, o que o senhor acha que tem esse caminhão?”. Meio de lado e ainda caminhado ele respondeu: “Coloque água no carburador”. Passivamente, o suposto mecânico seguiu o conselho: o caminhão funcionou e pôde seguir viagem. Bravo!


 Dona Maria recorda que, às vezes, acompanhava seu pai até o auditório da Rádio Difusora para assistir ao programa “Hora da Saudade”, comandado pelo famoso locutor da época Dr. Dárcio Ferreira. Nesse programa, Nhô Nhô conheceu o músico Fego Camargo, pai da apresentadora de televisão Hebe Camargo. Às vezes, Nhô Nhô recebia o amigo em casa para comporem valsinhas e conversarem sobre música; muitas vezes, Fego ia visitá-los para buscar uma bebida de gosto doce com o nome de pau-a-pique. Receita:

Pinga
Açúcar
Canela
Gengibre
Rodas de Limão
Pó de Cravo
Anilina (a cor que você desejar)

   Aparecida do Rosário Magalhães encontrou numa caixa de sapato, várias partituras de valsinhas e letras que confirmam a musicalidade de seu pai. Nhô Nhô fez 52 valsinhas. Abaixo um pedaço da partitura da valsa Uma Noite em Cotia. Além das partituras, encontramos uma folha de papel com trechos de duas valsinhas. Nenhuma tem título, mas vale a pena conhecê-las.


(valsinha 1)

Já fui alegre e contente
Hoje eu não sou ninguém
Já consolei muitos tristes
Hoje sou triste também

Que viver triste no mundo
Venha juntar-se comigo
Venha passar como eu passo
Venha viver como eu vivo

Dos meus olhos correm lágrimas
Os passarinhos reclamam
Por não poder se ajuntar
Dois corações que se amam


(valsinha 2)

Parece que é cedo e muito cedo
A minha, em breve findarei
Eu só peço que não vertas uma lágrima
Todo aquela que amizade eu dediquei

Nem tu mesmo oh mulher que eu prometi
De adorar-te como os anjos adoram a Deus
Mesmo assim deixo a todas um abraço
Toda aquela que amizade eu dediquei


terça-feira, 6 de agosto de 2013

SPUTNIK


Este foi o artigo mais difícil de escrever. O tema em pauta mistura muita ficção e fatos históricos. Utilizei quase todos os recursos científicos proporcionados pela pesquisa, com o objetivo de separar a ficção da realidade e o resultado foi um fiasco. Ficção e realidade estavam tão imbricadas, que não foi possível separá-las. Diante dessa dificuldade, peço encarecidamente ao leitor que ao ler este texto, tente separar o trigo do joio. Muito cuidado com as entrelinhas dessa história.

A história foi contada por Benedito Viviani. Na década  de 60, em plena Guerra Fria, divide-se Berlim com o muro da vergonha. O astronauta Iuri Gagárin revela ao mundo que a terra é azul. De um lado o capitalismo, defendido com unhas e dentes pelos Estados Unidos, do outro o comunismo, apoiado pela União Soviética, disputam acirradamente o domínio territorial e espacial do mundo. Uma década depois de Iuri Gagárin ir ao espaço, os americanos chegaram à Lua. O que  ninguém imaginava nessa época era que, em Cotia, estava sendo elaborado um projeto confidencial para mandar um astronauta à Lua, Marte, e Saturno. Relata o Sr. Viviani, entusiasmado, que no ano de 1962 o foguete estava pronto para ser lançado.

Para que o foguete ficasse realmente pronto foram necessários 10 anos de trabalho árduo. Os mentores da façanha de lançar o foguete em Cotia tinham mais de trinta inventos, inclusive o do conserto de lâmpada. Harayuki Yano, Osvaldo Manoel de Oliveira (Osvaldão) e Calil Nicolau, foram os cientistas que lideraram a construção da espaçonave orçada no valor de 5 mil cruzeiros, o dinheiro da época. Vale ressaltar que o projeto foi financiado pelo Depósito de Materiais de Construção Bandeirantes. Durante trinta dias o foguete ficou exposto na praça Joaquim Nunes. O foguete atraiu a atenção de moradores da cidade e de viajantes que passavam pela Rodovia Raposo Tavares com destino ao sul do país. Todos os visitantes estavam muitos ansiosos, segundo um idealizador do projeto. O Sr. Viviani, integrante da equipe Sputnik, relata que a segurança da praça teve que ser redobrada, e os guardas se revezavam nas 24 horas do dia. Dizem que, no período em que o foguete ficou exposto na praça, alguns espiões de origem russa e americana estiveram em Cotia com objetivo de roubar o projeto, que estava muito bem guardado na casa de outro integrante da equipe, o Sr. Aurélio, da farmácia.

1962 foi escolhido como ano de lançamento do foguete Sputnik. Nesse dia, mais de 500 pessoas lotaram a praça Joaquim Nunes. O prefeito Emílio Guerra, preocupado com a multidão que ocupava a praça, providenciou que a guarnição do Corpo de Bombeiros, da Guarda Municipal e mais ou menos 50 homens da Polícia Militar e da Civil ficassem de plantão para garantir o sucesso do lançamento do foguete. Armindo Miguel, conhecido como Lacerda, e escolhido como piloto, era o único da equipe com experiência em aviação, pois tinha trabalhado no aeroporto de São Paulo e pilotava avião de verdade. Após a escolha do astronauta, iniciaram os treinamentos de capacitação.

No dia do lançamento, o Sol brilhava em Cotia. O único erro da equipe foi escolher um estranho para acionar o dispositivo do foguete: o detetive Dimitri Borja Kozarec... Começa a contagem regressiva e, ao final, houve-se um estrondo que forma uma nuvem de 218 metros quadrados. Grande expectativa, logo em seguida muita tristeza: o lançamento fracassou, frustrando  a multidão. Segundo Viviani, “o detetive Dimitri era um espião e provavelmente sabotou o “projeto”. O detetive foi levado à delegacia da cidade e interrogado com veemência pelo delegado, mas nada revelou; dias depois desapareceu da cela, misteriosamente.
Após a tentativa frustrada de decolagem do foguete, a multidão ainda permaneceu na praça lamentando o ocorrido.
O fato não desanimou a equipe que, reunida em um lugar secreto, estava pensando em um outro projeto que ia dar o que falar: segredo absoluto.


Joãozinho Carpinteiro, construtor do foguete, José Jacaré e Pedrão do Ultimo Gole, eufóricos, apresentam sua idéias para o novo projeto. Acredite se quiser. 

                                                                      Prof. Marcos Roberto Bueno Martinez.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

PROCISSÕES


 

   Na pesquisa realizada pelo padre Daniel Balzan sobre a Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat, verifica-se a força da religiosidade e da influência das Irmandades na sociedade cotidiana do século XVIII. Registra o padre Daniel: “Cada uma das Irmandades, a de Nossa Senhora dos Pretos, a de Nossa Senhora da Conceição e a do Santíssimo Sacramento, tinham sepulturas próprias. Os irmãos falecidos eram sepultados com o hábito da própria irmandade, ou simplesmente enrolados em panos brancos e enterrados numas das sepulturas, na presença dos demais irmãos”.

 Quase dois séculos depois, ainda é forte essa religiosidade em Cotia. A memória de moradores antigos e as fotografias revelam a vida social da cidade intensamente ligada à religião. Nas décadas de 40, 50 e 60, as procissões ditavam o comportamento cultural dos moradores de Cotia e região, logicamente, com características bem diferentes daquelas do período colonial. Antonia Luisa Moraes Barreto, conhecida pelo apelido de dona Juju, conta que seu pai, Antônio Benedito de Moraes, escrivão da paz, tabelião e devoto de Santo Antônio, encomendou a um carpinteiro que fizesse uma charola – o mesmo que andor – caprichada para demonstrar a sua devoção ao santo.

  Dona Juju, com 81 anos durante a entrevista, lembra de uma crença que era singular nas procissões em Cotia: a charola de São Benedito não podia sair nem no meio nem no fim da procissão, tinha que ser o “abre alas”. Se o santo não saísse na frente, com certeza choveria. Outro relato interessante dela é sobre a ornamentação do andor. Ao prepará-lo, ela conta que gostava muito de usar flores naturais e ressalta que as roupas de quem carregava o andor tinham de ser da mesma cor dos arranjos das flores. “O Ditão, que era quem organizava a procissão, era profundamente perfeccionista” – disse ela.
  
  A procissão mobilizava muita gente. O percurso iniciava-se na rua Senador Feijó, entrando na rua Joaquim Horácio Pedroso, passando pelas ruas Lopes de Camargo e Dez de Janeiro, até à praça Padre Seixas; entrava novamente na rua Senador Feijó e terminava na frente da igreja. Segundo Oscarlina Pedroso Victor, cada irmandade representa um segmento da comunidade. A Irmandade Cruzada Eucarística era representada por crianças que usavam uma fita amarela, que identificava seu grau de religiosidade. A Pia União das Filhas da Maria representava as moças, que ficavam nessa irmandade dos 15 anos até o casamento. A fita usada era de cor verde. A Irmandade de São José era composta por homens e mulheres. A de São Benedito e do Santíssimo Sacramento eram compostas apenas por homens. Os irmãos de São Benedito usavam uma indumentária branca com capa preta, chamada opa, e os irmãos do Santíssimo usavam outra, vermelha. Na Irmandade Nossa Senhora das Dores a fita era roxa. Na Coração de Jesus era vermelha e na Congregação Mariana, era azul. Esta ultima era composta por moços e seus dirigentes tinham estrelas de metal em suas fitas. Outro detalhe interessante: as roupas dos carregadores de andor eram todas iguais e da mesma cor.