Venha compartilhar um pouco do trabalho que realizo como historiador e professor da cidade de Cotia. Mergulhe no passado das pessoas que construiram este lugar, recorde fatos marcantes que deram identidade cultural a esta cidade.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

EDUCAÇÃO ESPECIAL

Há temas que, ao abordá-los, devemos ter bom senso e cautela. Educação especial é um deles. Penso que é produtivo quando vejo centenas de manifestações favoráveis em relação a este assunto, mas também é preciso tomar cuidado com os clichês. Acessibilidade e inclusão têm sido debatidas exaustivamente, como se não existissem leis que defendem esses interesses.  As leis existem! Elas só não são cumpridas.
Agora, política pública feita com seriedade para a Educação Especial, se conta nos dedos da mão. Existe muito faz de conta. Ainda são feitos muitos discursos de “coitadinhos”, e este jeito  de ver a criança especial reforça o preconceito. Elas são muito mais capazes do que vocês imaginam. No início da década passada, ao assumirmos a Secretaria da Educação de Cotia e ao construirmos um projeto sobre o tema, valorizamos as escolas que já existiam, o CEIC e  a APAE. Naquele primeiro momento não  demos o merecido valor à inclusão na rede de ensino, descuido que logo foi percebido e revisto com propostas práticas ao criarmos uma equipe multiprofissional – psicólogos, psicopedagogos e assistentes sociais – ação inovadora para a época.
Uma experiência de campo que tive foi uma visita à E.M. Florentina Francisca de Oliveira, no bairro do Samambaia, na divisa com Embu e Itapecerica da Serra. Foi constrangedor encontrar o prédio da escola, com mais de quarenta anos, e em condições precárias. De imediato resolvemos construir uma escola nova. Mas o que me chamou a atenção ali foi uma cena inusitada: um menino com deficiência visual frequentando uma sala multisseriada, e o mais importante, a educadora daqueles alunos, além de cuidar de séries diferentes na mesma sala, tinha atenção e carinho por aquele menino especial. Aquela professora, sem apoio institucional, desenvolvia seu trabalho silencioso, exercitando o sentimento nobre de solidariedade e compromisso com o ser humano – um comportamento fundamental para qualquer projeto dar certo.
Na medida em que avançávamos com o projeto de inclusão, percebemos que  ele não poderia ser implantado compulsoriamente, pois teríamos que respeitar os limites intrínsecos de cada educador. Alguns se sentiam preparados emocionalmente e outros ainda não. Há que se  respeitar este tempo, preparar capacitação e investir em profissionais especializados para trabalhar em conjunto com o educador. Contraditoriamente, existem muitos pais que têm uma imensa dificuldade em aceitar os limites dos seus filhos. Quando se encontra estes pais, o melhor caminho é dialogar e colocar à sua disposição profissionais com boa formação. Por outro lado encontramos educadores já preparados emocionalmente e com um profundo sentimento de solidariedade. 
Uma preocupação que tenho e que talvez não seja tão relevante em relação ao assunto, é o discurso politicamente correto vigente – tudo muito higienizado. Talvez aí estejam escondidos preconceitos e outras coisas mais. Na verdade, não acredito em discursos tão perfeitos, pois as pessoas, sejam elas consideradas “normais” ou “especiais”, também precisam ser construídas, uma vez que não nascem completas.
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

QUAL A MELHOR ESCOLA PARA SEUS FILHOS?


 “E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo
 e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento,
 um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...”
(Machado de Assis – Conto de Escola)

A idéia deste texto não é indicar uma receita do que seja uma boa escola, mas questionar se escolhemos escolas que atendam nossas perspectivas em relação à educação dos nossos filhos. Durante muitos anos,  acompanhei a publicação de suplementos de jornais e revistas de folhas cintilantes que apresentavam escolas com estética e plástica inquestionáveis. Será que  estas escolas atendem nossos interesses educacionais? Partindo desta visão do edifício escolar, continuemos. O que define uma boa escola é o quanto podemos pagar. Qual o tamanho do nosso bolso para educar nossos filhos? Ao lermos nas entrelinhas destes suplementos notamos que o mercado oferece escolas de todo tipo e qualidade. Será que estas escolas oferecem um bom ensino? E quem não pode pagar por este ensino? Coloca o filho em uma escola pública?
Afinal, qual é a melhor escola para educar nossos filhos? As avaliações nacionais têm apresentado índices que demonstram a precariedade do ensino brasileiro, tanto no ensino público como no particular, e este último, com dígitos um pouco melhores do que o ensino público, mas também nada alentadores, embora seja bom lembrar que a educação vive uma crise no mundo. Existem escolas públicas que são bem administradas, e com o envolvimento da comunidade produzem bons resultados, comparáveis aos índices internacionais, assim como também existem escolas particulares com um bom ensino.
Buscando algumas experiências para elucidar melhor este tema, no começo do ano recebemos a lista de materiais para o ano letivo e levamos um susto com a quantidade de coisas que serão usadas pelos nossos filhos. Começa a dor de cabeça: tem que ser uma mochila da moda, de preferência de marca, um caderno com estilo, uma caneta e borracha mais estilosos que o caderno e por ai vai... Além do material básico temos ainda os assessórios – um tênis de marca acompanhado de uma calça também bacana e um celular. O celular não pode faltar.  Na verdade, as escolas não pedem aos pais para comprarem itens de marca, eles somente cedem à pressão do mercado e dos filhos. Mas... e os livros indicados? Não precisa.
Muitas escolas estão apresentando um bom currículo recreativo e não cultural. Será que uma boa escola não teria que discutir, por exemplo, temas ligados a ética? Machado de Assis deixa bem clara a necessidade dessa discussão, já no século XIX, em seu “Conto da Escola”. E agora, no século XXI? As escolas particulares não deveriam acentuar tanto as desigualdades sociais, e os pais precisam se posicionar melhor sobre a  educação querem para seus filhos.
Conversa de porta de escola: “― Tirei meu filho da escola do estado. Aquela gente bateu no meu filho, coitadinho. Aqui nesta escola eu pago e ele está seguro.” Pelo amor de Deus! Será que nossos filhos estão seguros mesmo? Será que isso define uma boa escola?
Não pretendo com este assunto me colocar contra as escolas particulares, pois estamos em uma sociedade de mercado. Acho que estamos chegando a um momento em que todos  os envolvidos com educação precisam pensar, juntamente com alunos e pais, uma escola que construa um ser humano melhor e que saiba lidar melhor com as diferenças que fazem parte do nosso dia a dia.
Afinal, qual é a melhor escola para nossos filhos?

Professor Marcos Roberto Bueno Martinez

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

OS LIMITES DA FREGUESIA DE COTIA



Os Limites Da Freguesia de Cotia fecha uma série de apresentações de textos escritos pelo Padre Daniel Balzan, que reconstrói a vida política, econômica e cultural de Cotia no século XVIII.

Agora não podemos mais reclamar que não temos material para conhecer a História do nosso município, ela está à disposição no meu blog, esperando para ser lida, estudada e para contribuir com futuras pesquisas sobre a cidade. Os textos aqui publicados são de autoria do Padre Daniel, que hoje é pároco em São Roque. O meu trabalho foi apenas o de fazer uma breve introdução, criando assim a possibilidade de outras viagens pela História da Freguesia de Cotia.

Era uma vez...

Professor Marcos Roberto Bueno Martinez    




OS LIMITES DA FREGUESIA DE COTIA

Qual era a extensão da freguesia de Nossa Senhora de Monte Serrat de Cotia na época do Brasil colonial?

O documento mais antigo que fala dos limites desta freguesia data de 1748. Aos 12 de janeiro de 1748 foram feitas, pelo governo eclesiástico, as divisas de Cotia com Araçariguama pela forma seguinte:

“Araçariguama com Acutia: do lado do Coronel Domingos Rodrigues da Fonseca em S. Roque, vulgo Peratinga, irá em linha que correndo em figura reta irá terminar no sítio do Paiol; todo o território que ficou da parte daquém pertencerá à freguesia de Acutia exclusive o sítio do dito Domingos Rodrigues e o Paiol e da parte dalém pertencerá a Araçariguama, inclusive, a ela o sítio do sobredito Domingos Rodrigues exclusive o do Paiol que pertence a Parnahyba como acima ficou dito. E acontecendo ficar sem freguesia a capela de S. Roque   que por ora está anexa a Araçariguama, terá a divisão entre Acutia e a futura freguesia de S. Roque uma linha que saindo do sítio de Jorge Garcia, exclusive, correndo pelo monte das Pitas venha acabar no sítio de Manoel Pereira e daí correndo a mesma linha irá a demandar a estrada de Apereatuba e terminará até o ribeirão Una que é o polo onde termina a freguesia de Sorocaba; todo o território da parte dalém desta linha será o território  de S. Roque exclusive o sítio do dito Manoel Pereira e daquém pertencerá o terreno a Acutia inclusive a ela o sobredito sítio de Manoel Pereira”  (Tombo de Araçariguama: 1747-1859, p.13 e “Auto de Delimitação da Paróquia de S. Roque: 1766-1768, p.3. Veja também: EUGÊNIO EGAR - Os Municípios Paulistas. 1º Vol. 1925, pp.597-598).

Ora, este documento apresenta apenas as divisas com Araçariguama e  São Roque. Não nos foi possível localizar, porém, documentos e provisões da criação das divisas com as demais freguesias que existiam na época. Buscamos seguir, portanto, um caminho indireto, mais lento e difícil, porém, suficientemente seguro  para chegarmos às dimensões exatas da freguesia de Cotia nos anos de 1713.

O Livro de Ôbitos de Cotia (1750-1775) será a nossa primeira fonte de referência. Transcrevemos alguns  assentamentos que mencionam as freguesias com as quais a Paróquia de Nossa Senhora de Cotia fazia limites:

1.       “Aos 3 de janeiro de 1753 anos faleceu da vida presente Elena Carijó casada com Inácio, com o sacramento da Penitência, e extrema unção, de idade de 25 anos mais ou menos, moradora e freguesa na Aldeia de Baruery: foi enterrada na Capela se Sorocamerim dos Carmelitanos de minha licença, termo desta freguesia e recomendada pelo superior dela, de que fiz este assento”- Pe. Antônio Toledo Lara (p.19v).
2.       “Aos 3 de julho de 1755 faleceu da vida presente neta freguesia de Cotia, Quitéria, menor, filha de Antônio, administrador, e Antonia sua mulher, escravos de Francisco Pereira, fregueses de Santo Amaro, com o sacramento da Penitência e Extrema Unção. Foi sepultada na aldeia de M’Boy termo desta freguesia. De que fiz este assento” (idem. P.33v),
3.       “Aos 12 de fevereiro de 1755, faleceu da vida presente Joana, solteira, filha de Josefa Barroso, oriunda de Cuiabá, da casa de José Munhoz, com todos os sacramentos. Foi enterrada no adro da Igreja de Carapicuíba dos Jesuítas, de minha licença, termo desta freguesia. De que fiz este assento” (idem. P.39v).

Portanto, nos anos de 1753 a freguesia de Cotia fazia limites com Araçariguama, São Roque, a fazenda dos Padres de Nossa Senhora do Carmo em Sorocamerim e com as aldeias de M’Boy e Carapicuíba. Faltam os limites com a capital. Neste lado estavam localizadas as aldeias jesuíticas  de Pinheiros, Santo Amaro e Sé.

Outra fonte importante são os livros de batizados (1793-1807) e de ôbitos (1796-1816) de Cotia. Destes dois livros nos foi possível levantar mais  de vinte bairros que, certamente, faziam parte da freguesia de Nossa Senhora de Monte Serrat, já que cada vigário só tinha jurisdição sobre a paróquia a ele confiada por lei eclesiástica. Nos anos 1794-95 os assentamentos de batizados e de ôbitos começam registrar o local de moradia tanto dos pais que pediam o batismo para seus filhos como  da pessoa falecida. Os bairros que conseguimos anotar são as seguintes: Caucaia, Sorocamerim, Sorocabussú, Aguassaí, São João, Maracananduva, Das Lages, Moinho Velho, Caputera de M’Boy, Ressaca de M’Boy, Das Graças, Una, Sapiantan, Itaqui, Cupiachada, Taquaxiara, Carapicuíba e dos Corcumvizinhos (isto é dos bairros perto da Matriz).

Existe um documento que descreve toda a extensão da freguesia de Cotia, escrito pelo Pe. Domingos Scacia, pároco da freguesia entre os anos 1902-1905. Trata-se de um relatório minucioso sobre a Paróquia exigido pelas autoridades eclesiásticas da época. Escreve  o vigário:

“A criação desta Paróquia, segundo os assentamentos, data do ano de 1713. Os seus limites de longa data, exceção feita, dos existentes com a Paróquia de Una, que a princípio eram pelo rio Sorocabussú e presentemente, o são pelo rio Sorocamerim são os seguintes: Começando na ponte de Jaguarahé, estrada da Capital, segue pela estrada velha de Itú até o Mato do Paiol, município de Araçariguama, e daí, por uma reta, até o ribeirão da Vargem Grande, por este a desembocar no rio Sorocamerim e por este, até a Ponte dos Mendonças; desta, pela estrada até o sítio de Adão Gonçalves e deste por uma reta, até a estrada da Ressaca e por esta até o ribeirão do mesmo nome; por este ribeirão abaixo até a estrada que, da Freguesia de M’Boy, vai à Capital e daí por uma reta, até as cabeceiras do rio Jaguarahé, e por este abaixo, até a ponte onde começou. Estas divisas dependem entretanto de retificação por faltar de melhores informações. Apesar de não constar ato algum Diocesano alterando as primitivas divisas eclesiásticas, sabe-se, entretanto, que as atuais respeitadas pelos paroquianos entre esta e a Paróquia de Una, não são as antigas" (Tombo de Cotia: 1878-1912, p.139-140 e 149). E ainda:

“Esta Paróquia confina:
Ao Sul e Sudoeste com as Paróquias de Itapecerica e Una,
Ao Norte com a de Parnaíba  e Araçariguama,
A Este com as de Santa Efigênia e Consolação,
A Oeste com a de São Roque e
A Sudoeste com a de M’Boy.”

“Os limites desta Paróquia com as vizinhas são:
-          com a de Parnaíba, aos limites 19 km, sede a sede 30;
-          com a de Araçariguama, aos limites 12 km, sede a sede 24;
-          com a de Itapecerica, aos limites 12 km, sede a sede 20;
-          com a de Una, aos limites 21 km, sede a sede 40;
-          com a da Capital, aos limites 19 km, sede a sede 38;
-          com a de São Roque, aos limites 13.50; sede a sede 29;
-          com a de M’Boy, aos limites 9,50 km, sede a sede 10”  (idem. P.140)


Quanto aos limites com a freguesia de Ibiúna, Pe. Manoel de Oliveira, pároco de Cotia entre 1817-1866, relata que “erigindo-se a freguesia de Una em 1812, fez-se a sua divisão pelo rio Sorocabussú” (Tombo de Cotia: 1728-1844, p.104). Mesmo escrito quase duzentos anos após a inauguração da Matriz, o relatório de Pe. Scacia mostra que os limites da freguesia de Cotia continuaram quase os mesmos, sofrendo alterações do lado da capital, com a criação de novas paróquias.

Em relação aos limites com Ibiúna, ainda, os livros de Tombo das duas paróquias registram conflitos. O mais grave aconteceu antes de 1823 e só foi resolvido em 1859. A queixa dizia respeito à jurisdição sobre o povoado de Sorocabussú que, embora  pertencendo à freguesia de Cotia, ficava mais perto da igreja de Ibiúna. Transcrevemos as reclamações do Pe. Manoel de Oliveira e os desdobramentos dos fatos!

“Diz o vigário da Freguesia de Cotia, José Manoel de Oliveira, que se erigindo a Freguesia de Una em 1812, fez-se a sua divisão pelo rio Sorocabussú. Em maio do mesmo ano, ou que na verdade fosse o Rev. Vigário dela alcançou uma portaria de nova divisa sem o suplicante nem seus fregueses fossem ouvidos e, por isso, antes logo representaram o temor que tinham de ficarem compreendidos no Distrito de Una, e foi V.Excia. Revma. Servido mandar por seu despacho, que ficasse de nenhum efeito aquela portaria e conservados os povos na sua antiga posse. Não obstante, porém, foi saudável determinação de V. Excia. Revma. persiste O Rev. Pároco de Una, lendo a sobredita portaria à Estação da Missa Paroquial na sua freguesia, assim com outro papel ou requerimento que pretende fazer, convidando aos fregueses do suplicante para se revoltarem contra este, animando-os a que não temam porque ele assistirá com dinheiro aos pobres, ameaçado com a punição da justiça, aqueles que lhe não derem obediência, lembrando-lhes ao mesmo tempo, que se algum não estivesse ainda desobrigado, o fosse fazer na freguesia de Una, motivando, com isto, uma confusão. Além de tudo isso, Exmo. Revmo.Sr. promete o Rev. Suplicado, que no tempo de arrolar os fregueses, já de obrigar ao suplicante por uma demanda a cumprir-se aquela veneranda portaria, já cassada, e nesta tristíssima colisão, Exmo.Revmo. Sr. E querendo o suplicante obviar com tempo estes males e os pleitos em que sem dúvida irá gastar neles dinheiro dos seus pobres fregueses de quem  V.Revma. é pai, recorre com toda a veneração” (Tombo de Cotia: 1728-1844, p.104).

O mesmo vigário continua:

“Foi V.Excia,Revma. Que, dignando-se de atender que a princípio, quando se levantou aquela Freguesia, em um caso semelhante, mandou V. Excia. Revma. que o Rev. suplicante  não admitisse fregueses alguns do suplicado, pena de suspensão, e assim sossegaram os Rev. Seus antecessores, uns poucos de anos é que o suplicante entrasse. Há de parecer a V. Excia. Revma. que agora será muito conveniente outra igual determinação, e que dela se façam lançamentos necessários nos livros de Tombo de ambas as Igrejas”(idem, p.104v).

O problema ficou resolvido pelo despacho de Dom Mateus de Abreu Pereira bispo de São Paulo e registrado no Livro de Tombo:

“A divisão feita entre as freguesias de Cotia e Una foi feita e aprovada por Autoridade Real e por isso deve ser conservada; nem cada um dos Párocos delas devem empreender  sobre os fregueses que não forem seus, conservando-se cada um com os que lhe pertencer de sua freguesia, sob pena de suspensão; e esta determinação se lance nos Tombos de ambas as Igrejas. São Paulo,  5 de Dezembro de 1823. – Mateus Bispo” (idem. p. 104v).

As tensões, porém, voltaram à tona nos anos seguintes! Desta vez o povo tomou a iniciativa... Os moradores do bairro de Sorocabussú fizeram um abaixo assinado exigindo do Bispo Dom Antônio Joaquim de Melo, que em 1959 estava visitando a freguesia de Ibiúna, uma solução definitiva. Pediam licença para freqüentarem a Igreja de Ibiúna que ficava mais perto. O vigário de Cotia (ainda Pe. Manoel de Oliveira), foi chamado urgentemente para Ibiúna para um entendimento.

Uma curiosidade, porém, chama a nossa atenção neste abaixo assinado. Das vinte e quatro pessoas mencionadas apenas seis assinam em nome próprio Estas seis assinam em nome dos demais. Entre eles se destacava o Sr. Venâncio Dias da Cruz. Vendo o abaixo assinado, o vigário de Cotia ficou indignado:

“Ex. Revmo.. Senhor... talvez que esses assinados a rogo de nada saibam. Nota-se que algumas pessoas que merecem consideração não entraram nesse assinado, senão esses pobres ignorantes, talvez induzidos por um tal Venâncio, o primeiro assinado, que tem mostrado devoção a este respeito. Tenho outros  fregueses mais distantes que estes. Apesar da distância que estes alegam, nunca lhes faltou o socorro espiritual e quando querem licença para desobriga, batizados e mesmo casamentos, nunca lhes neguei. Além de tudo seria uma confusão completa ficarem estes divididos, pertencendo à Igreja de Una e à justiça em Cotia, visto que quando esta foi elevada à categoria de Vila, foi com as suas divisas a tantos anos existentes. Portanto, visto que os suplicantes nada melhoram com que requerem, sou de opinião que se conservem como  está agora. Não lhes faltam os socorros que até agora têm tido e assim evitam confusões... Cotia, 5 de fevereiro de 1859 (Tombo de Una: 1857-1878, p.16).

Pedindo informações a respeito das distâncias entre o bairro de Sorocabussú e as duas igrejas, Dom Antônio Joaquim de Melo baixou o seguinte despacho:

“Sem marcarmos divisas, declaramos sujeitos à estola de Una os abaixo assinados e de uma vez desligados da estola de Cotia. O Rev. Pároco desta, antes de considerar aos referidos seus fregueses, ouvirá dos que assinaram com letras de outrem, se convém, no pedido, para evitar... Passará todos os nomes dos assinantes no Livro de Registros para só destes administrar sacramentos sem licença do Rev. Pároco colado de Cotia. Será então este despacho apresentado ao dito Rev. Pároco para sua inteligência. Una, 6 de fevereiro de 1859. + Antônio, bispo em visita” (idem. P.16).


Em 1920, surgiu outro desentendimento, entre as duas freguesias, desta vez em torno da capela Dos Grilos! Tanto o vigário de Cotia Pe. José Ferreira de Seixas, como o de Ibiúna Pe. Afonso Pozzi, alegava que aquela capela pertencia à sua paróquia, pois, ficava nos limites entre as duas freguesias:

“A minha paróquia é pequena – o lugar mais longínquo tem 4 léguas e meia, e a de Una é grande, tem 8 e 9 léguas de longitude – porém, nós, os dois vigários, tanto o da grande como a da pequena, nos havemos de contentar apenas com 7 palmos de terra.” - 1920  (Tombo de Cotia: 1917-1933, p.61).


Pe. Daniel Balzan

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

TODO DIA É DIA DE PAI






Escrever sobre amor e emoção não é fácil, pois corremos o risco de ser extremamente piegas. Mas qual é o problema em ser piegas? Quem já não foi ridículo na vida? Ao escrever sobre o Dia dos Pais quero correr esse risco e ser muito amoroso, só que vou escrever sobre pais de verdade, e não sobre aqueles que negligenciam suas crias. Estes não sabem o que estão perdendo.

Outro dia encontrei um pai grávido. É isso mesmo: um pai grávido! Cada dia tinha uma vontade diferente: um dia queria comer picanha, noutro massas, e em outros dias, doces. No final dos nove meses esse pai estará com “aquela” barriguinha, prestes a nascer, orgulhoso por ter participado de todos os momentos da gravidez.

Imagine ser chamado de “pai”. Normalmente um pai não sai tão perfeito assim, logo na primeira vez, e ainda mais acompanhado de choros e grunhidos.  A primeira vez que a gente ouve um “Papai, eu te amo” é uma alegria e um sentimento interno indescritíveis. Tem também a primeira noite mal dormida e outras tantas noites também mal dormidas, mas como é bom ser pai!

Há um tempo atrás a família era muito bem definida, pai era “o pai”, mas isto mudou muito. Hoje temos muitos estilos de pais: pai, pai-mãe , pai-avô, pai-tio, mas o sentimento é o mesmo, é o de um verdadeiro pai.

Outro dia, em uma casa de abrigo, entraram muitos homens querendo adotar. Fiquei de olho em um rapaz que não cabia em si cada vez que uma daquelas crianças lhe chamava a atenção aos gritos. Elas pronunciavam: Tio! Tio! Tio!... Depois de um tempo fiquei sabendo que uma daquelas crianças o estava chamando de pai. Imaginei a alegria dele: um pai que acolheu, deu um nome e abriu seu coração. Acredito piamente que o que estabelece o parentesco não é a relação consanguínea  e sim a espiritual. A adoção é um ato nobre e lindo. 

Este é o meu pai: um dia chegou uma moça  grávida no comércio da minha avó e disse que não poderia criar aquele filho, que estava prestes a chegar. Ele providenciou a parteira e me deu um nome, educação e uma vida. Em abril ele nos deixou aqui, mas quando olho para meu filho, vejo um pouquinho dele.  Os pais sempre deixam coisas plantadas nas nossas almas... 

Neste Dia dos Pais, e também em outros dias, se achegue ao seu pai e lhe dê aquele abraço e lhe lasque aquele beijo.  Ele merece!

Professor Marcos Roberto Bueno Martinez

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

DIVERSIDADES

Leitura
O livro intitulado “Cultura e Barbárie Européias”, de Edgar Morin, transcrito de três conferências feitas na Biblioteca Nacional François Mitterrand, de Paris, e publicado pela editora Bertrand Brasil,  trata de assuntos em voga, principalmente da religiosidade e da barbárie caminhando juntas na história da humanidade. O autor trata de outros temas instigantes com simplicidade e profundidade: xenofobia, purificação religiosa e étnica, a formação do Estado-nação, e o aprimoramento do ódio em relação às diversidades e diferenças culturais.  Um texto curto, revelador e reflexivo, de como queremos viver com as diferenças. Que caminho tomar? Vale a pena ler.    
                                                                                              Professor Marcos Roberto

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O CIRCO


Li um comentário no Facebook, feito pela minha amiga virtual Isabel Jesenicnik, que mora na  Suécia, sobre os repentistas que se apresentavam no circo da Nhá Barbina. Assim que li,  voltei no tempo e lembrei -me  do circo do Pimentão e do Faísca, ambos  palhaços, que preencheram a minha e outras pré-adolescências de fantasias e criatividade. Gritava o locutor naquele caminhão fordinho pela cidade: “ ― O circo chegou! Hoje tem marmelada e palhaçada. Também tem espetáculo!”

O que vou contar não serve de exemplo para ninguém, mas toda vez que chegava um circo na então pequena cidade de Votuporanga eu abandonava a escola durante a temporada em que ele ficava na praça. Quase me mudava para o circo. Coisa de criança arteira: saía cedo como se fosse para a escola, mas ia ao circo. Carregava água para as tendas e trailers, e de noite no espetáculo vendia maçã do amor e algodão doce, só para assistir ao espetáculo do dia. Aprendi muito. Era uma outra escola, diferente. Colorida, engraçada e criativa. Na escola normal tinha que cantar o Hino Nacional todo dia. Nada contra, mas pelo menos queria entender o que queriam dizer aquelas palavras. Um dia caí na besteira de perguntar o significado de algumas palavras do nosso hino. A dona Lazinha de pronto respondeu: “― Você não está aqui para perguntar.” Fiquei em silêncio. Lá no circo era muito diferente. Não esqueci até hoje da aula para aprender a me equilibrar na escada, da aula cênica e de tantas outras. Nas de teatro o palhaço Faísca ensinava aquelas técnicas de como falar, como respirar e falar pausadamente. Minha estréia foi na peça “O Lavrador”. Foi no circo que conheci o teatro.

Na década de 70 não era todo mundo que tinha televisão como hoje, que ela faz parte do mobiliário da casa. Na rua em que morava, só dois vizinhos tinham o tal aparelho que mostrava imagem com som. Lembro que na casa do japonês  Massau tinha televisão. De noite juntávamos a turma e pelo vão da porta nos deliciávamos com a programação. Mas o circo chegava! O circo era uma das formas de ter contato com cultura. Coisa de moleque: um dia  resolvi que ia aprender a me equilibrar na escada. Pensei que, se aquela moça bonita toda noite e nas matinês podia se equilibrar, eu também podia. Subi na escada e fui me achando o máximo. De repente a escada começou a escorregar e foi rasgando a cortina do palco na vertical de fora a fora, e eu caí como uma abóbora. Fiquei um bom tempo sem aparecer, com medo de levar uma chamada.

Não comungo da ideia que com chegada da televisão o circo desapareceu. O circo se reinventou e continua encantando. Quem não gosta da marmelada do Arrelia com o Carequinha? Outro dia encontrei na estrada um cirquinho com um único artista que era palhaço, trapezista, bilheteiro e dono de outros ofícios. O preço da entrada era um real ou outras espécies de trocas. Ao circo vou de vez em quando. Agora, a escola, já faz tempo que não frequento. Será que a escola se reinventou como o circo?  Boas lembranças!

Professor Marcos Roberto Bueno Martinez